Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

terça-feira, 28 de maio de 2013

Excerto de «À Procura de M.»

XXVIII

«É a expiação, chefe! Vamos todos expiar o sermos: de
tez mais escura, mediterrânicos, menos preocupados, em
menor número, mais católicos, menos protestantes, mais
naturalmente sustentáveis, mais desprendidos, mais
apreciadores da passagem do tempo, mais criativos, menos
unhas - de – fome, mais descentrados, mais… deixa andar!»
Fez uma pausa a tentar lembrar-se de algo, ou melhor,
«de alguém!»
«Leu Sebald e sua História Natural da Destruição,
chefe?»
De L. não lhe respondeu.
Nunca tinha ouvido tal nome, nem tal documento, e
mais a mais o que tinha ouvido parecia-lhe uma provocação:
«Sê baldas?» expiou destruindo por dentro o que
ainda lhe restava de energia para responder.
Aproveitava para limar as lâminas ungueais, aquilo
que vulgarmente designamos por unhas, aqueles
“instrumentos” que quem os têm é que “toca guitarra!”,
desfazendo em pó a queratina: como se estivesse a extirpar as
gorduras acumuladas ao longo dos últimos anos. Estranhou,
no entanto, a contradição de “quem tem unhas é que toca
guitarra.”
«Então e as formigas? As obreiras?», pensou.
Ajustava-as, às unhas, aos tempos recentes, curtinhas,
até ao sabugo, aqui e ali já com os dedos quase em carne viva,
em sofrimento e dor.
«É! A periferia dá-nos umas insustentáveis asas de
cigarra. Ou, pelo menos, é o que parece a alguns», disse,
nostálgico e fatalista.
«E uns olhos de morcego para nos divertirmos à noite,
até às tantas da madrugada, chefe, enquanto os outros se
recolhem ao cair da noite, pobres mortais!»...
 ©PAS

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