Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

EXPLICAÇÃO DO DIA: ELUCIDÁRIO E MEGA FERREIRA

Nas artes, na literatura e poesia nem tudo o que parece, é. Mário Lúcio Sousa parece que é. A ler! Entretanto, "lá para trás", um comentador anónimo de um poste que não tive oportunidade de comentar, sobre escrever e/ou ler, parece que não. Parece que é só escritor, sem ser leitor, quando levantou aquelas excreções amargas que tanto "impedimento e inacção" causam à escrita de quem escreve por escrever, por gosto, amor, simples necessidade. Sem querer saber ser designado autor, ou, esse enigma maior, o ser vaticinado como escritor com E grande.
Por alguns lados e tempos levantam-se grinaldas de convencimento, como se o "auto-convencimento" levasse ao caminho do não defraudar da consciência e da elevação da mesma. Entre vates que clamam o amor, e outras saloiadas de grande erudição, ao nível do sitcom da gargalhada, ou vidas projectadas em tempo real no écran, pequeno, há verdadeiros vates contrários aos armadilhados e monopolistas da pena, tantas vezes esquecidos, tantas vezes escarnecidos por viverem em conchas mais amenas e supremas.
Estando a ler um deles venho lembrá-lo, já que poucas vezes o vejo mencionado. Falo do António Mega Ferreira, um enorme escritor. Mais, um enorme erudito da palavra e do conteúdo das vidas, dissecando, expondo, observando. "Macedo, uma biografia da infâmia", é um livro ardoroso, um manual, mais do que uma sebenta da escrita. Um tomo com tronco, membros, mas, também, com cabeça... que é, infelizmente, coisa muito em falta a excretores "apoderados" da coisa pública Escrita, da palavra como exercício de comunicação, uso, prazer.
Mas hoje é o dia internacional da tolerância. Conjuguemos pois o tolerare, tolerarum, ... e saboreemos a "Biografia da Língua".

terça-feira, 25 de outubro de 2016

PENSAMENTOS

Os pensamentos são como as pessoas: não morrem, logo, são uma espécie de património imaterial da humanidade com paternidade difusa e sem sentimentos de pertença.
(© Pedro A. Sande; Benjamin)

DE FARDO A FADO

«— Lacaio do seu mestre — disse levantando-se. — É melhor falar aqui com os financeiros.
Para Saúl a história de Portugal era agora como esse cão que, por sistematicamente maltratado, mudara de dono e abanava a cauda. Ainda com a tristeza de suportar um fardo passado que, declinando, se tornava fado.»
© (Pedro A. Sande; Benjamin)

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

NÓS E OS OUTROS


Na realidade a vida é mesmo isto. O questionar constante. A avaliação diária dos nossos actos. A decisão que nos compromete perante os outros e a vida. Vale a pena? Nesta vida somos mesmo amados ou apenas instrumentos para? Pequenos espaços a ocupar entre viagens? O que perdemos ou não perdemos na nossa entrega? Até que ponto no nosso dar despojado podemos hipotecar a nossa liberdade, as nossas ideias, os nossos valores, a nossa ponderada assertividade? Que capacidade podemos esperar dos outros para se integrarem em nós? Para abdicarem de pequenos tiques, pequenas práticas, pequenas agendas pessoais ou de núcleos estreitos, ou estritos, pequenos alinhamentos, pequenas idiossincrasias? Até que ponto somos capazes de partilhar o nosso espaço ou os nossos afectos abdicando, ou não, de alguns dos nossos princípios, práticas ou da nossa própria comodidade? Que lugar ocupamos e ocuparemos na hierarquia dos afectos? Simétrico ou assimétrico? Até que ponto a bondade dos nossos sentimentos tem correspondência biunívoca real? Que frutos sairão, ou não, dessa dádiva ao outro? Que caminho traçamos para nós próprios? Quão descartáveis somos em cada instante, cada momento, cada futuro? Que exigência devemos impor ou quão transigentes, intransigentes, devemos ser nos pequenos actos do dia-a-dia? Que podemos esperar das palavras, sejam elas amargas ou doces? Que ligação tem as palavras com os actos e vice-versa? Que esperar dos outros? Que esperar de nós próprios? Que esperam os outros de nós? Que vida queremos viver? Que cedências estamos prontos a verter para, sendo nós, sem anulações, ou restrições, sermos também os outros? Que esperar da Vida na sua efemeridade? Que estrelas queremos ser? Que lugar queremos ocupar no firmamento? Que céu, purgatório ou inferno nos está destinado?
© PAS

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A CARTA



 «— Hoje, sonhei, marido. 
— Sonhaste com o quê, mulher?  
— Sonhei com uma criança que dizia para parares. 
— Para parar? Uma criança? Quem? O Zézinho?  
— Sim, o Zézinho, marido!
Maria Isabel... , moradora em Lisboa na Avenida 5 de Outubro nº 321 r/c., viúva do Capitão de Artilharia e Engenheiro Químico Ramiro..., vem apelar para os elevados sentimentos de V.Exª., expondo muito respeitosamente o seguinte: Meu marido, por virtude dos seus conhecimentos técnicos de engenheiro químico, prestou serviço na Fábrica de Pólvora de Barcarena desde 1925 até 1937, tendo falecido em Novembro desse ano. Como engenheiro da fábrica trabalhava na preparação e estudo de explosivos (tendo sido ele até quem procedeu ao exame dos restos da bomba utilizada no criminoso atentado contra V. Excª.) e, antes do seu falecimento, dedicava-se especialmente a um estudo sobre gazes (asfixiantes). No decorrer desse estudo teve várias intoxicações, sendo a última provocada pelo cloro, poucos dias antes de adoecer. A seguir a essa intoxicação sobreveio-lhe uma septicemia falecendo, depois de um sofrimento atroz, decorridos dez dias. Esses estudos e experiências eram realizados sem uma máscara ou outra qualquer defesa contra as intoxicações a que estava permanentemente exposto. Daí a ter acabado por sofrer a sepse que o vitimou, chegando a ter deitado, em convulsões, os pulmões aos bocados. Sofreu horrivelmente. Meu marido conservou até ao fim da vida uma perfeita lucidez e a consciência nítida das causas do seu mal. E, tanto assim que à hora de Deus o levar deste mundo, benzeu-se e disse: "Morro Cristão e morro pela minha Pátria"»
© (Pedro A. Sande; A Carta) 

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

ROMANCE PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO

Naquela espuma dos dias que nos atrai para os rótulos apostos, que desmerecem podermos nos afirmar como gente cauta, nunca encontrara em Miguel Real uma intersecção com a sua "potente" escrita e, pensava eu, sonorífera escrita.
Diria até, de Miguel Real, que a sua escrita me causara a mesma ardência que aquela causada por uma potente, deliciosa, tarte de lima.
Mas eis que tudo se reverte. 

Diz Real, no seu livro o Romance Português Contemporâneo, que nos faz lembrar um exercício de um autor estrangeiro consagrado dedicado a cânones que o romance, como o livro em geral, democratizou-se; deixou de se estatuir como um objecto intelectual, tornou-se um objecto de consumo como qualquer outro.
É verdade, amigo!
A alma humana e a evolução do mundo são consumidas em doses reduzidas, que os corpos e mentes se dividem explosivamente e pedem arrego.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

NELAS SE CAMINHA NA NOITE, NELAS SE CAMINHA NO DIA

A poesia e prosa de Eugénio de Andrade é um regalo para a mente porque transporta a inocência dos verdadeiros deveres do Homem. A apreensão de que poucas coisas há de verdadeiramente necessárias; o desprezo pelo luxo que nas suas múltiplas formas é quase sempre uma degradação.
Dizia Eugénio de Andrade da chamada poesia difícil que essa é a opinião de leitor apressado ou preguiçoso ou, simplesmente, sem a preparação mínima que toda a criação exigente requer. Citando o seu Rosto Precário: "todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da própria noite."
Ambiguidade e zonas de sombra fazem parte da escrita, até do romance do princípio, meio e fim. Afinal, mais do que romancear a vida é preciso dar-lhe consistência; e, como diria Jano, das palavras, elas são bifrontes: nelas se caminha na noite, nelas se caminha no dia. Elas são o mais veemente testemunho de fidelidade do homem ao homem.
Não nos peçam, pois, palavras fáceis.

domingo, 9 de outubro de 2016

A LIBERDADE, ESSE AFRODISÍACO, ESSA ANTI-DETERMINAÇÃO DA VIDA

Desde que li Os caminhos da Liberdade de Jean Paul Sartre que deixei de acreditar na pura imprevisibilidade da vida.
O improvável não é um caminho que acontece por mero acaso, é um caminho que tomamos por vontade expressa ou impressa no nosso cérebro ou num coração regulado. O para-si, aposto ao em-si dos objectos que não possuem consciência, do existencialismo sartriano, diz que
«a consciência humana é um tipo diferente de ser, por possuir conhecimento a seu respeito e do mundo. É ele que faz as relações temporais e funcionais entre os seres "Em-si", e ao fazer isso, constrói um sentido para o mundo em que vive. O "Para-si" não tem uma essência definida. Ele não é resultado de uma ideia pré-existente. O existencialismo sartriano desconsidera a existência de um criador que tenha predeterminado a essência e os fins de cada pessoa. É preciso que o "Para-si" exista, e durante essa existência ele define, a cada momento o que é sua essência. Cada pessoa só tem como essência imutável, aquilo que já viveu. Posso saber que o que fui se definiu por algumas características ou qualidades, bem como pelos actos que já realizei, mas tenho a liberdade de mudar a minha vida desse momento em diante. Nada me compete manter essa essência, que só é conhecida retrospectivamente. Podemos afirmar que o nosso ser passado é um "Em-si", possui uma essência conhecida, mas essa essência não é predeterminada. Ela só existe no passado. Por isso se diz no existencialismo que "a existência precede e governa a essência". Por esta mesma razão cada Para-si tem a liberdade de fazer de si o que quiser.»
Nós somos o que fazemos baseados na nossa impressão de passado, seja por vontade expressa consciente cerebral, seja por uma impressão toldada do que chamamos emocional, mas pré-existente, que nos guia os sentidos. Andamos porque temos de andar, optamos porque temos de optar, divergimos ou convergimos em cada vereda ou trilho porque temos de optar.
Nada acontece por acaso. Nada está pré-determinado, senão inscrito.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

DESTE MAR SE FAZ AMAR

Em todos nós que procuramos a paz,
O amor magistral sem defeito,
Há um cansaço que pode reportar,
Resmonear, como ondas do mar em crescendo:


Se as vagas do mar não sustentam
Que nem todas as suas vagas nos servem;
Que o peso da sua (alterosa) contrariedade,
Se instala nos nossos porões,
Demasiadas, incómodas, vezes sem conta.

Que nem toda a liberdade do mar consciente,
Sagaz, que o mar se quer move inteligente,
Não provocador, teimoso ou agreste,
Em todos nós que procuramos a paz,
O amor magistral sem defeito,
É propícia a todo, ou, a qualquer marinheiro.

Se tu amas para além de ti, ò mar,
Para além do teu (natural) orgulho próprio,
Tens de cuidar, olhar, o navegador,
Não lhe provocando temor ou receio,
Elevando-te, com o que assim te chamarás mar,
Como fosses em ti mesmo, perfeito.

Tens de o balançar um pouco na (tua) imensidade,
Sem o fazer voltear, desequilibrar, enojar, enjoar,
Muito menos naufragar nos escolhos
Da tua impulsiva ansiedade, aspiração, impaciência,
Dessa simbiose só interessante a vós mesmos,
De combinação em comum, vida idílica, 
Partilhadamente perfeita,

Docemente navegada por entre os escolhos de ti, 
Ó doce e confiante mar,
Trazendo O Marinheiro a bom porto! 

(© Pedro A. Sande; 07/10/2016)

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Os Pensamentos de Benjamin

«Exalação que não era naquela altura muito fácil de detectar por relatividade da contemporaneidade, embora, vá-se lá saber porquê, mais agravados entre o presente marinheiro e os pingos do futuro da indigência e da ignorância entre os nossos compatriotas. A falta de ciência ou de saber que era o contrário do que aquele judeu desesperado evidenciava, lembrando-me a assertividade de uma afirmação de um homem do futuro… de seu nome Thomas Sowell: «Necessitamos de um grande conhecimento só para nos apercebermos da enormidade da nossa ignorância.» 

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O NONSENSE DE TODOS OS DIAS

Um livro que me deu um enorme prazer escrever.
A escrita também é isto: puro entretenimento para quem escreve!
Um livro ainda por anunciar.



DESTE VIVER AQUI NESTE PAPEL DESCRITO

Ao presente falta esse sentido de cuidado, delicadeza, urgência, constância, perenidade, pertença, domínio, permanência; como se tudo fosse agreste, efémero, suplementar, passageiro, despiciendo, utilitarista; como se todo o sonho fosse a prazo, esperando o seu pesadelo; como se a vida fosse uma tela onde se sucedem filmes e personagens, que se vão esgotando, que nos vão consumindo a cada passagem. Um sonho de mundo só poderá ser mais doce, profundo, inclusivo, agregado, não se demorando, distraindo, dividindo a cada esquina.
Cartas de Amor, de Lobo Antunes, vindo de um homem necessariamente profundo, sensível, confronta-nos aos olhos de hoje com a nossa actual existência, com um mundo cada vez menos romântico, mais cego, agressivo, individualista, utilitarista.
Que futuro mediará nas nossas vidas?!

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

AMOR DE GULA

Chamaste-me gula.
Disseste de mim o amante perfeito.
Como se o amor fosse um apetite somente,
Não um pináculo ou pincel de cerda
Que compõe diariamente com traços finos
Um quadro perfeito.

Chamaste-me gula.
Mas sinto que sou apenas o teu pano de sobra,
Embora tenhas tocado na lua do meu sentimento
Onde apagas tristezas passadas
E te pões conforme, 
Sempre à espera,
Do teu passado-presente.

Chamaste-me gula.
Eu chamo-te o meu amor-perfeito. 

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

BENJAMIN

«Os maços de apontamentos que tenho em cima da mesa, que hoje me fizeram perder tanto tempo à procura dos meus óculos redondos submergidos em tanto papel, são muitos e podiam perfazer quase trinta volumes. Falam de tudo e nada, mas acima de tudo declaram, exprimem, homens e a sua história. Mas falam também de peixes, é certo, em exortações que nos fazem temer estarmos cheios de escamas e espinhas, há quem lhes chame alegorias, outros menos dispostos a ouvir chamam-lhes sermões, sendo pouco condescendentes com o que chamam a interferência do homem na palavra de Deus.
Pode parecer estranho nestes tempos conturbados eu ter em minha posse esta enorme quantidade de documentos numa língua para muitos dos meus concidadãos estranha, mas não para mim, sem no entanto ter feito muito esforço para os ler e compreender como se já tivesse sido em tempos a minha língua natal. 

Do Brasil aos Açores, a França ou a Amesterdão os ensinamentos de Benjamin vogam em retalhos com o vento e ao sabor do tempo.»
(© Pedro A. Sande) de Benjamin

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

SERÁ A SIMPLICIDADE O SUPERLATIVO DA ESCRITA?

Diz a Licínia Quitério «Eu acho que a escrita chamada "simples" é a mais difícil do mundo. Bem me esforço, bem me esforço, mas não chego lá.» Esta é uma opinião muito enraizada no mundo da escrita, boa na percepção de que a escrita complicada não deve disfarçar uma capacidade de explanar ideias. Mas a escrita deve ser sempre simples? Se a simples lhe apusermos o significado escorreita, perceptível, talvez possamos tomar esta frase como um absoluto... relativo! Se a simples lhe apusermos o carimbo de o mais rasteira de lugares comuns, melhor. E isto porque a simplicidade pode ser também sinónimo de facilitismo, de alguma vacuidade no sentido da abrangência, dos públicos, da incapacidade de tocar mar-terra e céu. O mundo é cada vez mais um mundo diferenciado, diferente nos interesses, formulações, gostos, impedâncias eléctricas, onde os interesses se repartem, as tensões divergem. Afinal nem todos viveram vidas idênticas, tempos sugestivos idênticos, tiveram experiências idênticas, tiveram formações ou viveram em espaços idênticos. Facilitismo no mundo vivido, facilitismo na incapacidade para perceber o diferente?! Ousar realidades que nos são estranhas. Vidas e perspectivas quase alienígenas. Escrever um livro não é a mesma coisa que escrever dois, ou cinco, ou dez, ou quinze. A escrita do meu primeiro foi diferente da do segundo; como a do segundo do terceiro; como a do décimo ou do décimo segundo diferente das anteriores. Escrevendo, o autor vai-se apercebendo de novos territórios, desbravando caminhos repletos de inexperiências, comandando cada vez mais a montada por lugares cada vez menos estranhos, sabendo entretanto pela matemática que se tende para mas nunca se chega. Quando se chega é porque se morreu e aí, sim, haverá lugar à consagração de um caminho trilhado. Nem a escrita de um livro tem o mesmo propósito. Posso escrever para colorir a vida, para perceber a vida, para reflectir sobre ela. Quando escrevo sobre economia (apesar de um povo que tem feito um sobre esforço real sentido na pele), não espero que todos me percebam, se não fizer um esforço para escrever de modo a evitar o jargão subjacente a todas as ciências (ou pseudo ciências). A riqueza do mundo é a diversidade. Do gosto, raças, ideologias. Da falta de diversidade só nos deve tomar o tempo a bondade, a solidariedade, a igualdade que nos faz seres semelhantes.

ESCRITORES E ESCRITORES

Do ponto de vista do Priberam um escritor "é um autor de obras literárias ou científicas (com relação ao estilo e forma que emprega)". Faz o Priberam também a distinção do escritor público que considera um literato de profissão, ou seja, alguém que tem grande conhecimento de letras, literatura, que denota erudição, ou quem se dedica à escrita. O escritor será, assim, pois, esse último. Alguém que se dedica à escrita de uma forma apaixonada, muitas vezes visionária, outras, quase sujeita de adicção. Uma adicção de conhecimento da raiz da vida, do transporte para outras vidas, do sentido da vida, de suporte de vida - talvez de suporte para outras vidas impossíveis fora do corpóreo das nossas limitadas existências. 
Do ponto de vista do Priberam, que é um ponto de vista como tantos outros, há pois pelo menos dois tipos de escritores: os escritores que escrevem e os escritores que vivem a escrita. Às vezes interseccionam-se, outras são conjuntos indefinidos e paralelos.
  
Um autor é um agregador de palavras, de sentimentos, de expectativas, de vivências, um sintetista da palavra, da cor, da ilusão. Não somos escritores por sermos, somos escritores pela inflexão da nossa voz, pelo dorido dos nossos sentimentos, pela alegria do nosso olhar, pelo repositório da nossa saudade. Ser-se escritor será sempre um caminho, não o destino. Um verbo, nunca um substantivo. Uma esperança de sermos traduzidos, nunca uma consagração.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

CARTAS DA GUERRA

O único guindaste da vida, aquele que nos eleva e nos leva a um lugar melhor é o Amor.
O Amor que nunca é uma forma lamechas de produzir virtualidade, mas o Amor como augúrio de um mundo futuro melhor.
Cartas da guerra, o filme, produzido com base nas cartas de Lobo Antunes a sua mulher é uma combinação da saudade com a virtualidade da palavra, um encontro do autor com a sua transparência e inquietude.
Podia como A Barreira Invisível de Terrence Mallick reproduzir um secreto lirismo com algum movimento mais visual?
Podia com certeza, mas, Ivo Ferreira, o realizador, vive num país de recursos muito
limitados, onde o sonho da grandiloquência desperta pela imagem real se fica quase sempre na virtualidade das palavras.
A não perder!

quarta-feira, 25 de maio de 2016

FLORES

FLORES
Na condução de um relógio que desperta
Vi horizontes entretecidos de todo o tipo de flores:
Pétalas rosáceas e outras sonâmbulas
Que me atrapalharam no bojo das suas campânulas,
A vontade de adormecer e pernoitar.


Falaste-me em jasmins, orquídeas, anémonas,
Amores-perfeitos e até açucenas,
Como se as flores não fossem tão só e apenas,
Pés inertes, passos funâmbulos,
Construções apenas belas,
Onde me ative a nos sonhar e dormitar.

Na linguagem das flores e sua linhagem,
Tentei conhecer cravos, jacintos, crisântemos,
Hibiscos, gladíolos, estrelícias e violetas,
Especializando-me até nas mais singelas lágrimas de Cristo.

Por ti que te desdobras no cuidado das flores,
Dei-me até ao trabalho, mais magistral que floral,
De afagar em papel prata, lírios, orquídeas e petúnias,
E até a aconchegar num vaso engraçado de toque radical e muitas enxertias
Três das mais belas flores... de seu nome, as três marias!
© PAS (madrugada de 25/05/2016)

segunda-feira, 23 de maio de 2016

CANÇÃO DO BOM POVO PORTUGUÊS

CANÇÃO DO BOM POVO PORTUGUÊS:
O TAL QUE SABE TUDO, DE TUDO,
SEM QUERER SABER DE NADA,
OU QUASE-NADA.

Se o povo ouvisse o Jorge Bateira,
E outros como tal,
Talvez vivesse melhor.
Mas para o bom povo Português
Ouvir os outros é, fatal como o destino,
Reportadamente, despiciendo.

O povo sabe tudo sem estudar quase nada.

O povo sabe tanto de finanças como o financeiro.
Tanto de economia como o economista.
Tanto de construção como o engenheiro.
Tanto de medicina como o médico especialista.
Tanto de matraquilhos como os bonecos,
Vestidos à medida do Vermelho, Azul ou Verde,
De madeira.
Tanto da melhor carne como o açougueiro.
Tanto de trajectórias, ziguezagues,
Potência de chuto e pontapé na atmosfera,
Ciência exacta de futebol como o treinador.
Tanto de marcar golos como o futebolista.

O povo sabe tudo e não sabe nada.

Mas não empurra a bola
Como o avançado campista.
Nem recua a defender o seu meio-campo,
Que não quer queimar as pestanas
Cansar ou intumescer as pernas,
Essas deixa-as para coisas mais prazerosas
E maliciosamente terrenas,
Muito menos andar às arrecuas
Para defender a sua, a nossa, baliza.

Limita-se, assim, a mandar bocas.
Ou a apanhá-las,
Como o vulgar apanha bolas e redondas.
Limita-se a comentar que as "ripa-na-rapa-peca"
Parecem, nos pés destoutro, umas ovais melancias.
Limita-se a comentar como fazer entrá-las,
Mesmo quando a baliza está toda escancarada,
Porque há muito o campo é um povoado deserto
Já só habitando nele velhos
E as vorazes marabuntas —
Bem como as imperdíveis múmias do Restelo.

E quando está aflito grita:
«Que, ai, Jesus, que estou à rasca!»
Que não tem dinheiro
Nem para a mais minúscula carcaça,
Nem para as argamassas com que se colocam,
Alinhados, um após outro, tijolos,
Muito menos o pilim
Com que se fazem roscas.

Talvez porque a sua bitola
Seja estratosférica,
Vista por uma lente que lhe enxertaram à nascença
Nos olhos da barriga, que os da cara
Andam quase sempre turvos,
Já para não dizer cegos,
Que com a cegueira não se brinca,
Bem como a maledicência
Que lhe é intrinsecamente congénita.

Talvez porque o povo
Saiba de quase tudo,
Sem querer saber
Do pouco mais
Do tudo que para ele é nada.
Talvez por isso estudar,
Esse episódio extra planetário
Seja um luxo desnecessário,
Mas frequentar a bola
Como bom católico,
Uma bitola de cátedra.

O bom povo Português é assim.

Tão estóico e destemido
Nos breves momentos de glória,
Como pobre e deprimido
Em imensos tempos sem história.
Tão esperto com o vizinho do lado,
Que não lhe ensinaram
Que esperteza matreira não é inteligência,
Quanto mais consciência crítica
E assumpção ordeira.

Ouvisse ele, o povo, o Jorge Bateira
E talvez não fosse frito,
Quanto mais assado.
Ou cozido sem o alinhavar, certeiro,
Perfeito, das velhas cerzideiras.

Fosse ele menos "gargantola",
Mais provido de siso,
Mais nutrido da leitura
Provido de compêndios, manuseador de livros,
Que são bolas de todas as cores
E feitios, redondinhas de letras
Com que se marcam os golos
Em todas as balizas do mundo,
A começar pelas barrigas dos meninos
E a acabar nas espinhas
E achaques dos velhos e dos doentinhos.

É que querer fazer tudo do nada
Só mesmo a Banca,
Esse usurário financeiro
Que muitos confundem
Com um fantasmagórico
Monstro carnívoro.
PAS, 22/12/2015