Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

sexta-feira, 22 de abril de 2016

O Mordomo de...

«Mais que o poder das armas é o poder da escrita que contém o moral. O que me agradava naquela comunidade era o poder de acção comunitário sustentável, num tempo em que nem se evidenciava ainda qualquer questão ambiental. O fruto era só colectado na exacta medida das necessidades, mais não fosse na da troca. A propósito de necessidades, a coceira no meu baixo-ventre lembrava como a mesma tinha sido preenchida no dia anterior. Não isenta de risco, mas cumprida plenamente. A troco de nada, para além de afecto e educação requintada, que não era nem avaro, nem hipócrita, nem um velho porco corrupto. Não com a minha velha, exilada do novo mundo, mas com uma protegida da Missão. Mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor, lá dizia o sertanejo. Como alguns que se açoitavam, depois de sovarem ou fustigarem sem cerimónias, tomados os frutos à bruta, ou com estratagemas que não lembravam ao demónio. O clérigo era mais astuto e menos rapace. Deixa colocar o meu diabo no teu inferno, exorcizavam, tomando de Boccacio o dixit. Mas também quem era eu para julgar?»
(© PAS; O Mordomo de ... - livro em revisão)

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Depois de sermos dia, seremos mote

Ao barro, à cor e à lua
talvez os (te) reconhecesse
antes de sermos dia.
Sopro nesse marfim,
nesse tesouro,
de uma forma pura,
com a esperança que
a ternura das palavras
por escrever nunca feneça;

e a que um campo lavrado,
imune às bebedeiras, insectos,
ou doenças
(como a temida filoxera
para as videiras),
se siga uma nova
e ainda melhor
arroteia.
Antes de sermos dia
é porque nunca seremos noite,
nem suspensão de vida, desvelo
ou indício de avaria.
Antes de sermos dia,
(ou mesmo depois de o sermos)
seremos paixão, amor
e um Outono avançado
onde se entrecruzam
os nossos dedos,
para sempre
com igual ternura e fortuna,
para semearmos frase
ou mote.
© PAS (2016/04/20)

Ritual de Ave

Hoje uma ave chamou-me a atenção. Contra um fundo de nuvens de algodão abanava as asas pairando no ar como se perscrutando atentamente cada lugar onde poisar. Só aos pingos da chuva abandonou este ritual.
Como esse pássaro também vivo a relatividade da vida, sabendo que tornar os momentos absolutos e demorá-los para a eternidade não é para todas as aves, ciente da minha capacidade de me adaptar a cada lugar e momento, fazendo do relativo da vida e das coisas a vida em absoluto. Pelo menos um absoluto relativo, a consciência de que somos nós que construímos os lugares, de modo diferente daquelas aves que nunca conseguem pairar senão por brevíssimos momentos, pensando que a constante diferença, a busca do absoluto sempre relativo lhes acomoda o ninho.
O mundo parece mais risonho quando somos capazes de esvoaçar adaptando o lugar do poiso e fazendo desse lugar o melhor e único lugar. Disso depende um tempo de voo feliz para aves e outros animais.
© PAS

Carta de Doces

Se algum dia te dizerem que só há um tipo de beleza, não acredites: é que há uma beleza que nos enche os olhos, mas há outra que nos enche o coração. E essa é a mãe de todas elas.

É tão fácil viver-se em doçura. E, no entanto, parece tão difícil quando se tomam os alvos errados dos valores. 

 © PAS

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Menina-Moça

De Viagem a Dali:

«Olhaste-me com essa mãozinha estendida
Como se quisesses segurar na música.
Vibravas com as palavras
Que não percebias.
E balbuciavas:
Dá-me um abraço!»
PAS (Viagem a Dali; pg. 98)