Caro L.C.
A palavra é tudo o que temos, o corpo inimaginável que nos permite contrariar a decadência dos sentidos, tornando o mundo mais desprovido da insanidade da ganância, da injustiça, do calculismo, do ódio, do interesse, da ignorância, da precariedade, do desconhecimento, do absoluto. A palavra é a reconversão do efémero, imaterialidade que derruba fronteiras, harmoniza conhecimentos, solidifica a paz, separa os elementos nucleares, decanta os elementos pesados dos leves. A palavra não é, nem fraqueza, nem vanidade, nem solidão, nem ridículo, mas a compreensão de nós num universo incompleto, complexo, diferenciado. Numa palavra há candura, mas há também dureza; numa palavra há dúvida, mas também certeza; numa palavra há pieguice, mas também coragem; numa palavra há intangibilidade, mas também matéria sensível; numa palavra há mundo, mas também aldeia, lugar, habitáculo. Os actos, esses, são apenas um instrumental das nossas palavras, eixos cartesianos que se movem positiva ou negativamente pelos sentidos, despertares da nossa consciência. Por isso, é pela palavra que vamos, conscientes que esta é a verdadeira sentinela dos nossos actos. Por isso é que o confronto das palavras é o lugar mais humano onde homens e mulheres se podem encontrar. Por isso é que este é o lugar onde nos encontramos com o sentido da vida. Por isso é que a desistência do cheirar as palavras, do apalpar as palavras, é a desistência dos sentidos, a confirmação da perda, a normalização dos actos, o domínio pelo reflexo involuntário, o estado selvagem da nossa indiferença. Pela palavra estaremos sempre muito mais perto do mundo dos vivos, do que pelo seu abandono. O ocaso nunca é um acaso sem glória. O ocaso e a palavra, são sempre um recomeço, uma aurora recorrente da humanidade.
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