Não é fácil voltar ao mundo onde os afectos nos tomam como
escravos; não é fácil voltar ao mundo onde se danam os abraços, os toques, os
reportes das coisas boas, as fragrâncias e só se divisa vaidade, desumanidade,
desrespeito, despeito e orgulho. Nesses locais gelados, frígidos, de grande
bestialidade, onde os homens são números e materiais descartáveis, é a desprezível
carteira que julga substituir-se à amizade - como um bom golpe nos curtumes
dava um bom enxerto para preencher corações empedernidos!
Não é fácil voltar ao mundo onde os afectos nos tomam como
escravos, como não é fácil qualquer regresso depois de passar pelo graal, que alguns
entendem como o sol num dia de inverno; outros, uma réstia de luz num dia de bruma;
ainda outros, uma flor viçosa no deserto; este outro, uma nuvem fugidia num céu
limpo; alguns, ainda, como o apetecido remanso familiar, depois de uma jornada.
A gratidão é a nossa humildade a prestar a mais
bela das rasteiras à nossa vaidade; uma forma de nos agradecermos; uma mão a
retornar tudo aquilo de que tiramos do espaço que nos rodeia; uma das mais
belas formas de amar. A gratidão não é granizado, nem gratinado, nem um qualquer
acepipe que nos abra o paladar; a gratidão é uma espécie de glacée cobertura de
bolo mármore; e, sim, uma espécie de cozido de furnas que nos vai cozendo, apurando,
a nós, devagarinho, ao barro. De todo esse desperdício, junto e juntos faremos
umas bolas de pêlo que nunca afundarão nas poças; que nunca se arrastarão nos charcos;
que nunca flutuarão nos lagos; que nunca se depositarão nos rios; que nunca empestarão
os mares e, que nunca se perderão nos oceanos acicatados pelos ventos de oeste ou
de leste, de norte ou de sul; e, que cá estarão dentro de mil anos, a
espicaçar-nos, tomando conta de nós e separando verdadeiramente, devagarinho, o
trigo do joio, à espera que do joio se faça trigo.
PAS
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