Em, «Paris Após A Libertação: 1944-1949», Antony
Beevor e Artemis Cooper, desvendam as teias de aparência quase ficcional de uma
época de ouro para o olhar da ficção, quase se confundindo com a pior realidade
imaginada de tempos cinzentos.
Em 1940, já o bispo de Arras, monsenhor Henri -
Édouard Dutoit, na sua mensagem de ano novo, a cheirar a velho, se dirigia a
«Messieurs et très chers collaborateurs» com esta fórmula pseudo-cartesiana:
«Eu colaboro: por isso, já não sou o escravo a quem é proibido falar e agir e
que só serve para obedecer às ordens. Eu colaboro: por isso, tenho o direito de
contribuir com o meu pensamento pessoal e o meu esforço individual para a causa
comum.»
Autonomia imaginária, digna de um cartesiano
manco, servindo que nem luva aos traidores de Vichy. Autonomia imaginária
servindo que nem luva - como servidão e serva? - a todos os corpos estranhos,
violadores e violados, por medo, sobrevivência, interesse individual, das
sua próprias consciências.
Beevor e Cooper relembram em (Paris Após A
Libertação; 35), um episódio passado no departamento de Eure-et-Loire, em 1940,
com um mártir da resistência, de seu nome, Jean Moulin.
Este patriota, resistente, é selvaticamente
espancado, preferindo tentar opor voluntariamente a sua vida a assinar uma
declaração falsa imputando à infantaria Senegalesa Francesa um massacre de
mulheres e crianças. Isto na sequência de um seu pedido de explicações ao
quartel - general alemão, pelo assassínio gratuito de uma velha
autóctone; patriota da sua própria dignidade, a velha senhora fora abatida e
amarrada como aviso a uma árvore, pelas tropas nazis, pela resistência pacífica
e indignada oposta à violação brutal da sua privacidade: «A minha casa é a minha fortaleza!», diria ela, como muito de nós que preservamos a liberdade e a autonomia.
Nem sempre a ficção ultrapassa a realidade,
como nem sempre a autonomia reflecte a realidade, tornando-se uma Autonomia
Imaginária.
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