Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A Vida Num Sonho

Desperto para o dia sem ilusões nem esperança.
Nada é tão triste como a liberdade enclausurada,
Nem nada tão frágil como a liberdade à solta.
«Quem eu sou?
Quem és tu?
Que vontade conténs em ti?
Que saudade andas a arrastar?
Que futuro encontras em mim?»
Sentado à beira de uma pedra,
Num tufo de relva, desgastado o verde,
Transporto-me para a montanha
Que um duende parece ter colocado à minha frente.

«Serei capaz?
Serei suficientemente audaz para atravessar esta montanha?
Que perigos me espreitam por detrás?
Que homem sairei dos seus trilhos?
Que caminho tomar?»
À beira de um caminho
Recolho com a mão uma avezinha caída,
Que treme assustada.
Perguntei-lhe:
«Quem és tu?
O que aqui fazes?
Que voo seguiste?
Que amparo não tiveste?
Que corrente de vento te lançou ao chão?
Que dor é a tua?»
Aninhou-se na minha mão,
Enrolou-se e soltou um último suspiro.
Abri uma cova e enterrei-a,
Com algumas mãozadas de terra.

Quando voltei ao meu caminho,
Lancei um último olhar
E vi uma mão cheia de aves a esvoaçar
Em volta do local onde a tinha enterrado.
Quando me aprestava a subir uma pedra
Em forma de corcovado,
Ouvi um chilrear nas minhas costas.
Centenas de pássaros esvoaçavam em grupo,
Fazendo um longo rasto em formato de cauda.
Na sua frente ia um pássaro
Que brilhava como mais nenhum
E a cauda transformou-se num repente numa estrela
Que brilhava com enorme intensidade.
Esgotado, segui o meu caminho,
Momentaneamente amparado por esta visão grotesca, mas bela.

A montanha inclinava-se para mim cada vez mais
E era como uma escada para as nuvens,
Que se fantasiavam agora de formas de fadas, de animais, de deuses.
O ar começava a rarear naquelas camadas,
Ouvia a minha respiração ofegante,
As minhas veias a latejar,
O meu coração a palpitar;
O esforço em me encontrar com as pedras,
E os paus da natureza, porque a natureza não é só flores e folhas,
Era cada vez maior.
A vegetação rareava;
Rareava, também, onde me agarrar
Para contrariar o declive.
A cada passo, pretensamente ganho,
As pedras soltavam-se e faziam-me recuar.
Os meus joelhos
Começaram a arrastar-se por aquele deserto - pedregoso,
A sofreguidão esgotou o cantil.
Um último pingo adiou-me o cansaço
E a exaustão para o próximo movimento.
Aves de rapina de enormes dimensões e aspecto aterrador,
Espreitavam ao perto, cada uma a ocupar,
Como por ordem de Antiguidade,
As cristas das enormes protuberâncias rochosas.

Quando cai pela última vez por efeito da gravidade,
Que me queria levar outra vez de volta ao início do caminho,
Ouvi novamente um silvo de aves a esvoaçar,
A aproximar-se, centenas em bando.
Perto de mim, desenharam em círculos
Cada vez mais pequenos uma mão enorme,
Uma enorme mão que, pouco antes de desfalecer,
Senti puxar e elevar-me.

Quando acordei,
Parecia ter sido depositado num jardim imenso.
Abria-se à minha frente um enorme vale,
Onde milhares de pequenas aves esvoaçavam
Escrevendo no céu azul,
Como folhas ao vento,
Um flash com as seguintes palavras:
«A, VIDA, NUM, SONHO!»

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