Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Susana Araújo: Poetisa do Anti-Crise E Do PEP! (Programa De Estabilidade E Poesia)

Numa linguagem que me está próxima, pelo menos na formação, diz Susana Araújo: “A poesia pode ajudar-nos a compreender o potencial disruptivo e criativo da própria crise". Analisemos pois, a sua tese:

PROGRAMA DE ESTABILIDADE E CRESCIMENTO
Tu vacilas, não queres ouvir e eu
não vou ter contigo a meio caminho
deposta, abandonada e irrisória
a ponte de ferro quebra-se
assim que o FMI avança

Um casal ainda criança
já refinancia
os seus juros
Não há compensação
para quem sonha severamente
enquanto espera pelo autocarro
durante o horário de Inverno
Vê agora, lá fora: uma
família que forja falsetes
tenta agarrar-se à rede,
frívolos esforços em que
os nossos filhos falham
O estímulo ao investimento
de iniciativa privada promove
a utilização proveitosa dos nossos
recursos: como esta faca de cozinha
que avança para nós com serrilha, sorrindo
combinação certeira entre a ergonomia
o melhor design e a qualidade
Todas as domésticas suturas serão
submetidas a uma rigorosa
análise de sensibilidade
Dorme bem, meu amor e
deixa a manhã reestruturar
a nossa dívida.


[in Dívida Soberana, de Susana Araújo, Mariposa Azual, 2012]

Calendário

Ao bater da meia-noite, faltam-lhe as passas!

Hoje o calendário transfigura-se… ou devia!
Torna-se uma imensidão de um mar infinito
Onde batem as bátegas sem sossego.
Hoje viramos mais uma página
Mantendo-nos no mesmo lugar,
Incapazes de movermos uma mão,
Ou um pé,
De um calendário
Que se mantêm idêntico
Sem se mexer,
Estranhamente estático
Ao revirar das páginas
Que fazem a vida
De um calendário.

Não me revejo já neste calendário
Desprovido de dias diferentes
E certinho como o fluxo
… E o refluxo do mar. 

Faltam-lhe dias!
(P.A.S., 31 Dez. 2012)

A Reescrição Do Calendário: A Máquina De Fazer... Manequins!

O Nuno, o Camarneiro, é um poeta. Prova disso é esta Calendária. Agora que o Nuno foi sequestrado - pelo tempo - modo da etiqueta como regra - que não lhe apaguem a Calendária do nosso calendário e dos seus olhos; que não o tomem por tolo - e nós por bobos; que não o reduzam à discrição do politicamente cínico. Que não usem a máquina de fazer manequins, cujo molde nos torna identical twins de prateleira - bonequinhos articulados de lojinha de fancaria!  
(Nuno Camarneiro; AcordarUmDia...)

Quarteto de Frases: Ler Peixoto Em Notas

Tenho sempre à minha cabeceira pelo menos dez livros. Dez pedaços de estórias que se revelam como as disposições dos dias. Gosto de os abrir, ao calhas, e triturá-los em frases curtas e soltas. Frases que arrepiam, como esta: «As notas erguiam-se como pilares ao longo de todo o salão.» (Peixoto; Cemitério De Pianos; 27)
Entendo a linguagem de Peixoto. É um homem apaixonado pelas palavras. Mesmo no seu Cemitério De Pianos, as cordas daqueles objectos inertes e envelhecidos transmitem melodia.

A Bertrand Do Chiado

Ontem passei novamente pela «catedral» do livro: a Bertrand do Chiado. Há a quem, um dos meus heterónimos, lhe pareça uma catacumba, ou uma espécie de cave de consagração da verdade. 
Mas era um lugar onde repousaria eternamente deitado, numa estante, afagando todos aqueles tesouros. 
É um lugar de sonho e de Paz, a Bertrand, recheada de todas aquelas boas almas que nos mantêm vivos - mesmo que pareçamos mortos! 

domingo, 30 de dezembro de 2012

Brevemente na Lua De ...

«Odeio dizer-te isto, mas a minha vida não a quero condensada num sonho, quero vivê-la intensamente a cada momento, despida de mas e de ses, quero sentir que piso todos os dias caminho, que me engasgo de riso...»
PAS

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Trecho de «O Livro Dos Contos Siameses»

o oráculo de…
Tirou da caixa cada peça e mirou-as de alto a baixo: uma a uma. Às trinta e seis, do naipe círculo, fez-lhes uma grande roda. Às do naipe Bambu, colocou-as em linha. Às do naipe «caractere» colocou-as, à vez, de cima para baixo em linha recta, como se cada uma se apoiasse nas costas da anterior. Às Dong, Nam, Xi, Bei, bastou-lhe abrir as mãos: foi o vento que se ocupou da sua disposição. Aos três dragões, seus protectores, Hong Zhong, Fa Cai e Bai Ban, deixou-os a esvoaçar. Às 4 pedras de flores, à Ameixa, à Orquídea, ao Crisântemo, ao Bambu, remeteu-as a aprimorar Chun, Xia, Qiu e Dong, as 4 pedras das estações. Quando as baralhou pareceu contar mais algumas...

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Canção Dos Bichos E Outros Poemas XXVIII


Há sítios
Onde estranhos se ignoram
Com grande compostura.

Penso nas longas filas
Da manhã
E nos olhares furtivos
Entre viaturas
Apenas perturbados
Por episódios menores:
Dedos ostensivamente nas narinas
Mãos descaradamente sob as saias.

Ou nos elevadores
Onde olhares circunspectos
Estudam demoradamente a arquitectura
Da cabina
A ficha técnica do construtor
Ou os seios da vizinha (disfarçadamente).

E há outros sítios assim:

Autocarros a caminho de aviões,
Infindáveis escadas rolantes.
O metro em horas de ponta
E homens e mulheres (virtualmente)
Ensardinhados
Por ora de ponta.

Homo sapiens sós
No meio da multidão.

Ou o contrário.

(Paulo Sande; 14/09/11)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A Vida Dos Livros

Nas cartas a um jovem poeta já Rainer Maria Rilke afirmava: «é evidente que se deve sempre preferir o difícil: tudo o que vive lá cabe». Já Cormac McCarthy replicava que: «as pessoas só crescem ao ritmo a que são obrigadas». Mas, porque as citações são infinitas, como as sensações que vivemos todos os dias, quantos pobres são precisos para fazer um rico? e,  se para escrever «um livro é preciso ler mil livros», quanto escritor é preciso para se fazer um escritor?
Nesta espuma dos dias cujas vagas são imprecisas, quantas vezes fúteis, faz sentido «Os livros da vida de um escritor serem, acima de tudo, os que escreveu».
Mas, se assim é, porque se teima e calcula uma literatura da nossa fase infanto - juvenil quando, como diria Rilke, «a nossa alma é apenas ainda esboço, inquietação, desordem». 
Será que as nossas sociedades vivem na imaturidade e superficialidade dos dias? ... que é, segundo Rilke,  a idade em que a felicidade vive a confusão de materiais desperdiçados!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Conselhos

O primeiro conselho básico para um escritor devia lapalacianamente ser só um: «que escreva!»; e, «que escreva muito!»; e, «que goste daquilo que faz!» 
Posteriormente podia esse consagrado - já escritor como se comprova pela resposta - como quem não quer a coisa, perguntar: «mas escreves porquê ou para quê?» A pior resposta com que se podia confrontar seria, com certeza, uma do tipo: «porque quero ser famoso e conhecido»; ou, mesmo, «faz-me bem ao ego»; ou, ainda, «porque quero ser eterno!»
A este conjunto de respostas, o consagrado torceria o nariz porque, na sua experiência solitária, quase ascética e conventual de escrever feito, (nem todos podem coleccionar revoluções, liderar milícias ou mesmo coleccionar e liderar... mulheres, como Hemingway e... porque os conselhos já há muito deixaram de ser apenas no masculino), para se ser famoso e conhecido nada melhor do que uma carreira política: ora no governo, ora numa empresa de regime, à vez, porque carreira política é extensa, pouco atreita a falta de inspiração, bloqueios e suicídios e só acaba... na reforma... dourada! Para quem gosta de fazer amigos é líquido ser (quase) tão aborrecido uma ou outra carreira. A primeira, pela simples razão dos teus amigos serem tão só, quase sempre, personagens das tramas dos teus livros; a segunda por - dizem alguns personagens de estórias diárias - não ser um lugar onde se faça ou, mesmo, se queira fazer amigos. Dizem! ... porque quando se reformam… - palavra que o escritor usa apenas como sinónimo durante o processo de criação dos seus livros - … ninguém percebe, acredita!?, como não fizeram amigos. Conhecidos… é coisa bem diferente! Porque, aqui chegados, quase todos se fazem conhecidos; quase nunca pelas melhores, mas pelas piores razões. 
Claro que o jovem, ou o menos jovem, também podia responder: «porque gosto muito de estar à secretária!»; ou, «porque sou dotado de uma inata inventiva!», como se se quisesse substituir ao criador na criação - que não no simples processo, no trabalho; ou, mesmo a mais honesta das respostas a que falta, só e aparentemente, brilho: «porque tenho contas por pagar!» E acrescentaria, meio envergonhado por não ter sido dotado dos mesmos instrumentos moleculares ou musculares de um Stallone: 
«E isso evita-me um desgaste físico que não ia suportar, estivesse eu, agarrado diariamente, ao selim de um daqueles camiões que recolhem o nosso lixo».

Esta última resposta, antes de um enorme manancial delas que se podiam (des)construir, também não seria a mais avisada; já que se o visado tivesse alguma consciência ambiental saberia que correria o risco de se tornar ele próprio, rapidamente, um criador de lixo. Ou, talvez, não ele!, mas, no seu lugar, a sua casa editora. Casas das letras que já há muito, pelo seu realismo de experiência feito, o via como um burro de carga: já que os livros, como os cavalos – pelo que «enfardam» – também se abatem!

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Os Livros E As Formas

Uma das áreas para mim mais queridas da gestão é a gestão estratégica. Não podia, assim, faltar ao chamamento da «Edição De Livros e A Gestão Estratégica» de José Afonso Furtado. 
Na sequência da leitura desse livro que agora começo a desfolhar, li também um artigo titulado do «Papel ao digital».

Entrevistado, diz nesse artigo Furtado: «como dizia Don McKenzie, as formas afectam o sentido. Ora, o grande perigo do processo de digitalização é deixar crer que um texto é o mesmo seja qual for a forma do seu suporte.» Pois é! A nossa sensibilidade diz que não. E da mesma forma que as formas afectam o sentido afectam muito mais do que isso. Foi isso que «li» da citação na primeira apressada passagem do artigo: «as formas afectam, não apenas o sentido, mas os sentidos».

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Citação, 424, Re-Comentada

A Citação 424 do Eduardo Pitta que remete para a Fábula do Vasco Pulido Valente, espetava-a num pau e fazia-a de estandarte (com sublinhados de Pitta).

«Vasco Pulido Valente, Uma fábula, hoje no Público. Excertos, sublinhados meus:

«No fim do século III, princípio do século IV [no império romano] os camponeses fugiam da terra para não serem espremidos pelo fisco e uma área imensa do Império ficava por cultivar. Segundo, a prática de matar recém-nascidos foi alastrando a pouco e pouco por todo o império, a ponto de exigir a única lei “assistencial” da Antiguidade: Constantino obrigou as cidades de Itália e, a seguir, de África a contribuir para o sustento das crianças sem meios. Nessa altura, o Império, dividido em quatro partes, por pretensas razões de segurança, alimentava quatro imperadores, quatro cortes, quatro corpos de guarda [...] quatro burocracias que não comunicavam entre si e, muito principalmente, quatro exércitos regulares que só comunicavam entre si nas guerras civis que a partilha do poder ia provocando. O povo não suportava esta carga e, apesar da violência dos cobradores do Estado, começou a esconder o que lhe queriam tirar ou simplesmente abandonou o trabalho fixo por uma espécie de clandestinidade a que o poder não conseguia chegar. [...] Não levou muito tempo até o Império (do Ocidente) ficar definitivamente sem protecção e sem força e, quando caiu, caiu para sempre. Mas caiu por uma sucessão de erros políticos, não pela fatalidade de uma crise económica

Aparências Ou Como Um Citroen Escreve Novelas...Mexicanas!

Há quem goste de coleccionar selos, pinos, postais, moedas, sapatos, jóias e por aí adiante.
Eu gosto de coleccionar autores em listas, como um exercício de que a escrita não é o que escrevemos mas o que iremos escrever a seguir. 
Autores! Autores que escrevem - e as suas obras.
E há-as cada vez mais loucas e sugestivas, principalmente nos títulos, nesta procura desenfreada de chamar a atenção para coleccionadores «distraídos» dos conteúdos, mas muito atentos aos títulos. 
Um dos mais sugestivos é este recentemente descoberto do Açoreano Joel Neto: «O «Citroen Que Escrevia Novelas Mexicanas». Fica a dúvida: se Joel dá ao Citroen o poder de escrever novelas Mexicanas, «que escrita?» daria a um Rolls ou a um Mercedes?

Português, Diferente! Eu Sou Aquele Que Gostaria De Ser!

Interesses, invejas, hábitos, memórias, subserviências, passados, reminiscências, prémios, estratégias, liberdade, presentes, padrões, futuros, ilusões... condição humana... nada de muito diferente daquilo que o ser humano - não o português, que esse é diferente! - está habituado. 
Eu sou aquele que gostaria de ser!

O Enigma Dos Jovens Poetas Que Prosam: Variação Sobre!

Conheço o Nuno Camarneiro daqui: de uma escrita poética, que faz dos poetas escritores e de outras coincidências. Gente que pensa, reflecte, que se alimenta de uma melodia que nos vem do peito. A forma é dos pássaros. E no mundo dos pássaros não há coincidências, apenas o barulho ritmado das asas a quebrar paredes de vento.
No seu peito «não cabem pássaros», mas quando o escutamos ao perto ouvimos piares como se estivesse coberto de ninhos. 
O tempo hoje tem a idade dos que piam poesia! Jovens poetas que prosam! Vivemos no tempo do eu, dirão! Muito bem, portanto. Aqui em portugal mandam os que daqui são! Mesmo que no nosso peito não se alberguem pássaros, mas há sempre o acordar um dia! e «tantos sonhos que não são dias» (Nuno Camarneiro; Calendária; 2012)  e tantos países que um dia terão de se fazer forma! Portugal será nosso? ou esse sonho já é uma ilusão onde não cabe o sussurro das asas de «todo los» pássaros?
   

Os Jovens Poetas Que Prosam

Conheço o Nuno Camarneiro daqui: de uma escrita poética, que faz dos poetas escritores e de outras coincidências. Gente que pensa, que reflecte, que se alimenta de uma melodia que nos vem do peito. 
No seu peito «não cabem pássaros», mas quando o escutamos ao perto ouvimos piares como se estivesse coberto de ninhos. 
O tempo hoje tem a idade dos que piam poesia! Jovens poetas que prosam! Vivemos no tempo do eu, dirão! Muito bem, portanto. Aqui em portugal mandam os que daqui são! Mesmo que no nosso peito não se alberguem pássaros, mas há sempre o acordar um dia! e «tantos sonhos que não são dias» (Nuno Camarneiro; Calendária; 2012)  

Paris E A Autonomia Imaginária

Em, «Paris Após A Libertação: 1944-1949», Antony Beevor e Artemis Cooper, desvendam as teias de aparência quase ficcional de uma época de ouro para o olhar da ficção, quase se confundindo com a pior realidade imaginada de tempos cinzentos.
Em 1940, já o bispo de Arras, monsenhor Henri - Édouard Dutoit, na sua mensagem de ano novo, a cheirar a velho, se dirigia a «Messieurs et très chers collaborateurs» com esta fórmula pseudo-cartesiana: «Eu colaboro: por isso, já não sou o escravo a quem é proibido falar e agir e que só serve para obedecer às ordens. Eu colaboro: por isso, tenho o direito de contribuir com o meu pensamento pessoal e o meu esforço individual para a causa comum.» 
Autonomia imaginária, digna de um cartesiano manco, servindo que nem luva aos traidores de Vichy. Autonomia imaginária servindo que nem luva - como servidão e serva? - a todos os corpos estranhos, violadores e violados, por medo, sobrevivência, interesse individual,  das sua próprias consciências.
Beevor e Cooper relembram em (Paris Após A Libertação; 35), um episódio passado no departamento de Eure-et-Loire, em 1940, com um mártir da resistência, de seu nome, Jean Moulin.
Este patriota, resistente, é selvaticamente espancado, preferindo tentar opor voluntariamente a sua vida a assinar uma declaração falsa imputando à infantaria Senegalesa Francesa um massacre de mulheres e crianças. Isto na sequência de um seu pedido de explicações ao quartel - general alemão, pelo assassínio gratuito de  uma velha autóctone; patriota da sua própria dignidade, a velha senhora fora abatida e amarrada como aviso a uma árvore, pelas tropas nazis, pela resistência pacífica e indignada oposta à violação brutal da sua privacidade: «A minha casa é a minha fortaleza!», diria ela, como muito de nós que preservamos a liberdade e a autonomia.
Nem sempre a ficção ultrapassa a realidade, como nem sempre a autonomia reflecte a realidade, tornando-se uma Autonomia Imaginária.


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Dinis, Molero

Hoje, o Bookoffice publica a resposta do João Ricardo Pedro ao questionário de Proust, revisitado por Joel Neto. Ouvi uma vez o João ao vivo, e não me passou nem despercebido o seu humor, nem um certo desconforto por alguma falta de independência e de enfado pelas tarefas, exigência, do - pós atribuição do prémio LeYa; afinal, não há almoços grátis como esconjura o racional «homo - economicus». Tudo, condimentado com alguma ansiedade e até alguma dúvida assumida, honesta, pela sua continuidade na escrita publicada pois, como se sabe, «uma andorinha não faz a primavera».
E os três anos que assumiu com hombridade ter demorado a escrever o seu premiado livro, revelam um talento evidente, mas igualmente um sofrimento de trabalho artesanal feito com risco de não replicação, apesar da motivação «simpática» e acrescida. Concordo, também, como ele afirmou numa «mesa pouco redonda», de que ao autor nada mais devia ser exigido senão o acto de escrever. Mas compreendo que isso seria linguagem de marketing da oferta, não linguagem do posicionamento pela procura e quando as oficinas de escrita eram oficinas e não cadeias de montagem. 
Como compreendo igualmente o posicionamento das editoras num mercado de excesso de oferta, procura por defeito, défice de rendimento e/ou défice de leitura, num mundo «a deitar fora, livros, pelas costuras» bem, assim, com a cada vez maior dependência da imagem/comunicação como forma de «vida».
Assim se compreende, também, como a aposta que economicamente é o risco da editora, num novo escritor, tem de apontar para previsão de número de vendas que equilibre o actual esquema de Ponzi desta actividade. Assim se percebe «a fuga para a frente» das editoras, no futuro próximo ou neste presente «agora», para a venda de serviços editoriais, de «editing», de revisão, de comunicação,...    

Ser escritor publicado trás, assim, hoje, exigências muito para além da escrita. Obrigando a uma exposição que não é do inteiro agrado do escritor que se não se mova por pedantismo ou excesso de vaidade, já que a vaidade sem demasia é um factual «fillet» humano.
Comum ao afirmado pelo João é a minha cada vez maior dificuldade em reter e memorizar conteúdos de leituras. Talvez por ter um caldeirão já demasiado cheio, e sentir a necessidade de o ir aliviando e «soltando» como as panelas de pressão. O que torna a leitura diária um quase descartável, sendo a influência cada vez mais submergida num edifício, sempre incompleto, mas com ideias cada vez mais definidas que barram, pelos menos aparentemente, muito do «aspirado» e pouco deixam passar de inspirado.
Achei também graça, no questionário de Proust, à coincidência da sua resposta a esta pergunta: 

«E qual o parágrafo que mais lamenta não ter sido você a escrever ou, pelo menos, a frase?»
O Que Diz Molero, de Dinis Machado. «"Acho que todas as pessoas são mais ou menos infelizes", disse subitamente Mister DeLuxe, “mas os artistas são infelizes de uma maneira dramaticamente infeliz”. “Isso é muito agudo, Mister DeLuxe”, disse Austin com um olhar brilhante, “a isso apetece-me mesmo chamar uma definição”.»

Achei graça pela coincidência. Há cerca de seis meses entreguei uma cópia para submissão à edição de romance meu, escrito numa linguagem próxima de «O Que Diz Molero».
Escrito num mês e finalizado em Abril deste ano, o romance despretensioso, ainda quase em bruto, pretende ser uma homenagem a Dinis Machado, um escritor considerado menor até à publicação desta sua obra, um homem que é, para mim, um símbolo da grandeza e miséria do escritor, e da volatilidade da escrita. Dinis e Molero que li depois da sua morte e cuja obra cintilou na minha vida, a espaços, na minha memória.
Não tendo ficado no quadro de honra da rentabilidade, num país onde os livros se acumulam em catadupa nas livrarias antes de serem condenados à guilhotina, irei possivelmente o dar a conhecer como e  - book
Em memória de Diniz Machado e como um atestado de um exercício simplificado de escrita despretensiosa e humorada, esperando fazer que os mais novos revisitem DINIZ MOLERO.