Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

domingo, 8 de julho de 2012

O Hábito Faz O Monge?

Caro Joaquim


Depois de receber a sua mensagem passei pelo Nicola. Paguei ao MM um copo para afogar as mágoas. Não se fez rogado, embora parecesse estátua. Imune aos estrangeiros que passavam e que com ele queriam tirar uma foto, contou-me a sua estória. Mais uma, de um Português que não se fez cordeiro manso.

«20Dez.1805» disse-me ele, «uma sexta no calendário Gregoriano. Veja lá, ò Pedro. Discutem! Não querem colocar a lápide que lhes pedi. Minha irmã, se o não fizerdes perseguir-te-ei a tua vida inteira, porque parece que ficarei por aqui muitos e bons anos, fazendo-te cócegas debaixo dos pés o tempo todo. Estarás nalgum baile e as cócegas serão tantas, que não saberás o que é ter descanso de bailar. E perguntarás, sem saberes que acertaste no alvo. Será que é um sinal do meu irmão Manoel Maria que queria que se soubesse que tinha sido um putanheiro em vida e de que lhe não fiz a vontade? E se insistires, como insistirás porque és uma senhora, que isso não é nome decente que se ande por aí a gravar, poderás sempre aplumar travestindo o termo em, fina flor do bagaceiro, guasca de fora ou apenas dizendo, que aqui jaz um frequentador assíduo de cabaré ou prostíbulo. Ò José Maria! Insiste! Insiste lá, ò amigo José Maria. Tu sabes qual as palavras que quero na minha lápide. «Aqui dorme Bocage, o putanheiro: Passou a vida folgada, e milagrosa: Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro».

E continuou pela noite dentro, até a madrugada dar lugar a nova flora. Perto da esplanada arrastavam-se dois seres amarrotados e desmazelados que há muito tinham perdido os hábitos. «Custe o que custar», dizia sob o sol dos holofotes, o outro que sempre tinha tido as camisas engomadas, transido de raiva de ter sido contrariado. «Custe o que custar», respondeu-me Manoel Maria versejando agarrado ao garrafão, que já se sentia a arrecuar duzentos anos ao tempo do sanatório:

«Dizem que Flávio glutão
Em Bocage aferra o dente:
Ora é forte admiração
Ver um cão morder na gente!»

Será, Joaquim? Que este hábito não só não fez de nós, monges, como fez de nós, não gente!

Um abraço meu... e do Manoel Maria!

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