Caro
Joaquim
Depois de receber a sua mensagem passei pelo Nicola. Paguei ao MM um copo para afogar as mágoas. Não se fez rogado, embora parecesse estátua. Imune aos estrangeiros que passavam e que com ele queriam tirar uma foto, contou-me a sua estória. Mais uma, de um Português que não se fez cordeiro manso.
«20Dez.1805» disse-me
ele, «uma sexta no calendário Gregoriano. Veja lá, ò Pedro. Discutem! Não
querem colocar a lápide que lhes pedi. Minha irmã, se o não fizerdes
perseguir-te-ei a tua vida inteira, porque parece que ficarei por aqui muitos e
bons anos, fazendo-te cócegas debaixo dos pés o tempo todo. Estarás nalgum
baile e as cócegas serão tantas, que não saberás o que é ter descanso de
bailar. E perguntarás, sem saberes que acertaste no alvo. Será que é um sinal
do meu irmão Manoel Maria que queria que se soubesse que tinha sido um
putanheiro em vida e de que lhe não fiz a vontade? E se insistires, como
insistirás porque és uma senhora, que isso não é nome decente que se ande por
aí a gravar, poderás sempre aplumar travestindo o termo em, fina flor do
bagaceiro, guasca de fora ou apenas dizendo, que aqui jaz um frequentador
assíduo de cabaré ou prostíbulo. Ò José Maria! Insiste! Insiste lá, ò amigo José
Maria. Tu sabes qual as palavras que quero na minha lápide. «Aqui dorme
Bocage, o putanheiro: Passou a vida folgada, e milagrosa: Comeu,
bebeu, fodeu sem ter dinheiro».
E continuou
pela noite dentro, até a madrugada dar lugar a nova flora. Perto da esplanada
arrastavam-se dois seres amarrotados e desmazelados que há muito tinham perdido os hábitos. «Custe o que
custar», dizia sob o sol dos holofotes, o outro que sempre tinha tido as camisas engomadas, transido de raiva de ter sido
contrariado. «Custe o que custar», respondeu-me Manoel Maria versejando agarrado
ao garrafão, que já se sentia a arrecuar duzentos anos ao tempo do sanatório:
«Dizem que
Flávio glutão
Em Bocage
aferra o dente:
Ora é forte
admiração
Ver um cão
morder na gente!»
Será, Joaquim?
Que este hábito não só não fez de nós, monges, como fez de nós, não
gente!
Um abraço meu...
e do Manoel Maria!
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