Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

terça-feira, 31 de julho de 2012

Resposta ao Sapo Amarantino do Joaquim

Lisboa,  Manhã Clara de Um Dia de Fim de Julho

Caro Joaquim
Serve esta missiva para lhe dar conhecimento que o sapo que acabei de engolir, embora não seja o primeiro porque a sua degustação imposta tornou-se quase diária, manda cumprimentos calorosos ao seu sapo, esperançado que possam um dia trocar experiências com ganho recíproco (diz o meu Sapo que não estamos em tempos de pieguice e solidariedade desprendida!)

A forma dele era grotesca, diria mesmo dantesca, naquele seu esverdeado claro, como uma farda de caqui camuflada: parecido no conteúdo e forma com o esparregado da casa de pasto aqui do lado.
Feito com uns pingos de corante e muita peçonha, foi acabado de promulgar pelo sapo velho reformado e diz chamar-se Sapo Lei ….

Eu, que só com muito esforço de memória e de contracção sistólica o consigo descrever, duvido que seja este o seu verdadeiro nome: porque vi por detrás de uns limos, que enfeitam o nosso quintal, se chamava Sapo - Renda, preparando-se para com a sua peçonha uma troca de soma rendosa (o zero é aqui número desconhecido e os Sapos que querem ser bois tem dificuldades na multiplicação, mas tem sempre uma ideia de somas) - na proveitosa proporção de um abastado por dez desgraçados Sapos idosos!

Tive, infelizmente, pouco tempo para o contrariar; e quem contraria o contrariado, que enrola a língua e troca os insectos daninhos pelos insectos virtuosos?
Estava, entretanto, o sapo Lei já muito anafado, mas nunca em sossego, já que na penumbra it will work for food … e isto quase diariamente, segundo o que não consta nas actas da assembleia dos batráquios!

Por esse motivo, tenho o meu frigorífico em greve de funcionamento, pelo esbulho diário da sua peçonha, que tudo em que toca se transforma em pedra; embora há quem diga que enrolado na língua transforma food em pepitas, de ouro, as quais são entregues em grandes barricas a um grande sapo que se chama Sapo Credor.

Para Amarante, pelos canos de esgoto alfacinhas que serpenteiam ministérios e quartéis - generais das tríades, fugindo a todas as Scuts e optando pelas vias – sacras dos livros do desassossego, envio-lhe o meu Sapo, a quem agradeço que ensine nestas férias entre frondosa verdura e florestas de folhas de papel tipografado, a sabedoria e a humildade do campo,
Antecipado e grato agradecimento deste sapo acinzentado, da cidade, que já não conhece a cor e beleza do efeito clorofila
P.S. Segue, de locais onde tudo hoje acontece, imagens esclarecedoras de como lidar com estes monstrinhos verdes, sem rebuços nem remorsos para o futuro.


segunda-feira, 30 de julho de 2012

Working Novel

Prever o comportamento humano, através da forma e expressão de um rosto era no momento a menor das suas preocupações.
A maior era, sem dúvida, tomar um banho e escanhoar aqueles pêlos escuros a que chamava barba. Curiosamente, não tendo feito a barba desde o dia anterior à ofensiva, esta parecia não ter crescido como normalmente… talvez houvesse um efeito de retardamento do tempo, por efeito guerra.
«Ora aqui estava uma tese para discutir com o médico, se ele queria conversa sobre adivinhação do comportamento e da fisiologia humana através das formas: e a sua forma e a dos soldados que o rodeavam era particularmente assustadora. Muitos pareciam, no meio de caras envelhecidas, tezes terrosas e pálidas, pálpebras fundas como poços secos e olhos recuados como que escavados de terror, verdadeiras máscaras humanas...»
- Efeito guerra?
- Caro médico, o efeito guerra é tão bom como outro qualquer. Hoje em dia há efeitos para tudo: o efeito estufa, o efeito borboleta, o efeito clorofila, o efeito doppler, o efeito placebo… mas o meu preferido é o efeito Laffer.
- Laffer? Nunca ouvi!
- Nem podia, doutor, inventei-o agora! Como uma representação hipotética da relação entre a eficácia do soldado simples na função extermínio e o soldado condecorado.
- Espero que nunca seja aproveitado no futuro por ninguém.
- Aproveitar para quê, caro Doutor? É tudo tão efémero e o que têm substracto nunca se perde e sempre volta a crescer!
       - Mas cheira-me que ainda haveremos de voltar a ouvir este nome, porque há muito quem queira mais e leve menos. É intemporal!

Working novel, a terminar em Agosto, um trecho anódino, insignificante e calmante da dor das férias, que é um mês tão bom para a escrita como todos os outros!
Em Setembro será apenas mais um, mas who cares, se é tudo tão efémero neste mundo de efeitos.

domingo, 29 de julho de 2012

Chás de Bebé

Um chá de bebé
Ou é ou não é,
E um chá de bebé
Não tem de ter chá
Nem tão pouco café;
Mas muitos docinhos
Brigadeiros, beijinhos,
E a barriguinha,
Onde durma o bebé.

Um chá de bebé
Ou é ou não é;
Que vem aí o menino,
Que seja um santinho,
E não um diabinho,
Igualzinho à mãezinha
E ao paizinho André.


Um chá de bebé
Ou é ou não é,
Que a avô Aninhas
Não consente ao menino
Nenhuma birrinha
Com um presentinho
E com um chá de bebé.
 
(Do Avó do menino que foi beber um chazinho que não é de leitinho nem é de bebé: «Um Uísque, por favor!»)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

A Criança, O Barco e o Sol

Visto ao de longe o barco de velas parecia que se aproximava do sol: e a criança perguntava. 
- É ali que moram mundos distantes? 
A mãe, que o ouvira, respondeu-lhe: 
- Os mundos, que moram para além daquela luz, não são tão distantes, assim, porque moram nos nossos corações. Fecha os olhos, liberta-te de todo o peso que trazes em ti e não te deixa navegar para além de ti e pensa que navegas para lá do sol!

Inflamações, Quase!, Literárias

Que a escrita em excesso pode afectar a coluna e causar lumbago, já todos os que fazem da escrita trabalho ou paixão, tinham dado por isso, principalmente se exigir esforço de compreensão e compressão do cérebro e do cerebelo. 
O que muitos não sabiam é que pode afectar partes mais baixas, criando dor e trauma noutras necessidades menos inspiradas, não necessariamente paralelas no cronómetro, mais fisiológicas.
Tem isto alguma lógica quando lemos o esforço posto por alguns autores em dar forma aos bichos?

Ler Extraordinariamente na Cama

Ler na cama tem essa vantagem: torna-nos mais limpinhos, cheirosos e pontaneiros, na ponte que liga os dois donos de margens contiguas - mesmo que geracionais, de afectos ou lealdades. Os limos onde podíamos escorregar na travessia, servem agora de estrume que adubará as margens comuns das plataformas que estabelecemos. 
Onde lemos, e vemos, é pois importante. 
A minha leitura de O Leitor, de Bernard Schlink, foi feita em cima das imagens e não da palavra escrita, essa leitura das imagens. 
E, diferentemente de Schlink, ou melhor do realizador que imaginou o concerto de palavras de Schlink, porque há ternura não se pode retirar a esperança, mesmo com o erro da ingenuidade, teria dado um final mais feliz - porque no mundo da brutalidade do homem há sempre esperança e lugar para mais do que uma leitura. 
Será que Hanna, protagonizado por essa extraordinária actriz Kate Winslet, a revisora alemã analfabeta, soou apenas a um apelo de uma noite de sonho a quem mais que as palavras e as resposta às mesmas da sua personagem, interessava a poética amorosa que elas encerravam?
Em mais um post que apela à reflexão, cada vez mais me apetece a beleza dos conteúdos e menos a certeza e a perfeição das formas: será que isto é sinal de maturidade, ou de velhice?

Sinais

A soma de pequenos sinais são, quase sempre, artífices menores de grandes sinais: seja nas relações, quando pequenos indícios acumulados, já não passíveis de serem tidos como pequenas coincidências, mostram que algo não vai bem entre os relacionados, seja em qualquer outra actividade em que o humano intervenha como ser animal.
O balançar da cortina que torna uma janela opaca ao exterior é ela em si, também, um sinal de uma ligeira brisa que tomou conta do dia, como o seu movimento indiciasse a aproximação de uma tempestade, que é sempre imperfeita para alguém, ou para alguma coisa. 
O silêncio que toma os dias, é também fruto de dias corrompidos pela maior beleza do homem: a sua capacidade de se dar um pouco para fora do seu próprio corpo, onde os seus interesses mesquinhos animais foram tomados pela graciosidade e gentileza do verdadeiro amor. Verdadeiro, porque ele também há o outro, doentio, que decepa corações e acaba invariavelmente em tragédia.
Mas como pode ser chato, e dúplice, pensar o amor, em vez de conjugá-lo por impulso, como a atracção do vento no seu caminho ao balançar a cortina?

terça-feira, 24 de julho de 2012

Sombras de Mulher

- Como é que te chamas?
- Maria!
- Sentes-te bem, Maria?
- Sinto!
- Confortável, Maria?
- Nem por isso!
- Como assim? Não confias em mim, Maria?
- Confio!
- E então?
- Não confio é… em mim!
- Mas não me dizias que eras uma mulher moderna?
- Sim!
- Mas mesmo assim não confias em mim?
- Não… não é não confiar… sinto receio!
- Receio? Receio de quê?
- De não estar à altura!
- Mas tu estás à altura! És bonita… sofisticada… moderna...! A mulher ideal para qualquer homem.
- Mas é isso, e só isso que pensa de mim?
- É! Não chega?
- Não, obrigada…! Vou-me embora!
- …mas?
- Mas, não! Quero ser… mulher!
- Mas és mulher!
- Não, não! Não enquanto não me encontrar com as minhas sombras!
- Com as tuas sombras?
- Sim, com as minhas sombras!
- ???
- Sim! Com aquelas sombras que não se reflectem ao sol...! Como a inteligência!
- ???
- Chamam-se desejos, sabes...? E inteligência, às vezes...
- !!!
- ... para vós, que perderam o rasto das sombras que se transformam em desejos!

(em memória de todas as mulheres que passaram pelas nossas vidas, sejam mães, amantes ou mulheres, quantas vezes, por inteligência, sombras dos seus homens e que são tantas vezes causa e projecção dessas sombras)

- As 50 sombras de Grey?
- Basta-me uma: chama-se amor, e é uma sombra inteligente! 


sábado, 21 de julho de 2012

A Idade Madura

Se a idade madura
Nos trás paletes de cores
É  porque a vida
É feita em pequenas caixas,
Em que transportámos
Pequenos pedaços de nós.
 O delírio,
A velhice,
O ocaso,
Que nos transportará
Para outra caixa
Onde não respiraremos ar puro!
 … Mas a comunhão com Deus
Será mais fácil.
Deus, que é um mistério absoluto,
Varrer-se-à da nossa memória
Porque seremos nós
O Deus que está enterrado.
 Mas porque em contacto
Com a terra,
Seremos parte deste planeta
De uma forma muito mais generosa:
Seremos o espírito do planeta
A grande tômbola
Que sorteará as almas
Que povoarão das profundezas dos oceanos
Às calotes glaciares
E farão de cada um de nós
Gente mais madura
E capaz de suportar
A falta de candura
De uma idade
Que de temerária
Só tem a de ser
Uma idade mais pura.

A Curiosa Biblioteca do Joaquim

Caro Joaquim
A sua biblioteca é deveras intrigante e mais do que ser doada exige uma investigação Sherlokiana “à séria”.
Indícios estimulantes e respostas ao mistério são assim um contributo de todas as bibliotecas curiosas: a minha não é excepção e induzindo-me a pontapé ao meu serviço cívico não me perdoava não o cumprir.
Assim caro Joaquim é sabido que o Gonçalo foi exportado com os seus dois cursos, o que o coloca como desqualificado perante a grande biblioteca metropolitana: menos de três já é insuficiente; siga o exemplo da minha biblioteca que vai para o terceiro, tal o receio de… ser exportada. Assim, estes indícios induzem as seguintes perguntas:

N.º1, porque foi o Gonçalo exportado e não os seus livros? Terão ficado como fiéis depositários da inteligência nacional ou serão uma nova forma de garantias reais? Terá A Grande Biblioteca nacional penhorado mais um dos seus irmãos? A penhora está muito na moda, caro Joaquim!

N.º2, porque já nem as gatas se chegam a nós? Fossemos ligeiramente mais novos, às vezes penso por uma questão de dias, e não deitavam as unhas de fora nem se assanhavam!

N.º3, porque as empregadas (funcionárias colaboradoras, caro Joaquim?!), sendo funcionais na sua área totalista, são tão desorganizadas no que diz respeito às bibliotecas? Mal empregadas, caro Joaquim? Ou a resposta encontra-se lacrada num acordo secreto conspirativo?

N.º4. Repare bem no enunciado que leva a esta pergunta: «as gatas regressaram aos meus mimos…» e não o contrário: o que é feito dos mimos das gatas aos seus donos, caro Joaquim? Voltou o sol a girar à volta da terra, caro Joaquim? Estamos bem arranjados, Joaquim!

N.º5; «não sabe a quantas anda!» Pudera, Joaquim, se calhar já não anda a qualquer velocidade: arrasta-se, como aqueles ponteiros cuja bateria foi-se esgotando e dão um impulso para a frente e dois para trás; ou está parado de vez, o que justifica a falta de mimo das gatas.

Daí, caro Joaquim, talvez tenhamos encontrado a explicação para a sua curiosa biblioteca, embora isto possa não passar de meras conjecturas e suposições que eu tenho uma procuração de Sherlock, mas ainda não estou encartado.

Solenemente lhe digo, caro Joaquim, que a biblioteca é só o pretexto para a sua estimulante demanda e daí que talvez tenhamos encontrado a explicação para a sua curiosa biblioteca: cigarros e gatas nunca foram uma boa combinação, caro Joaquim! Tente lá largar o vício, homem! Não largue é a pena, mesmo que ela seja viciante!

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Os Nossos Avôs

Ele não há apenas horas extraordinárias mas, também, coincidências extraordinárias quando se fala em «Olhar para Trás»
Uma notícia, verdadeiramente extraordinária, acaba de chegar às redacções: afinal, ao contrário do que pensavam os arqueólogos de moda, o soutien ou sutiã, de alças, não apareceu no século XIX como resposta ao espartilho, tendo sido encontrados fragmentos no castelo de Lemberg, na Áustria, de soutiens de tecido, confirmados como datados do século XV. 
Nós, contemporâneos, teremos sempre a tendência de olhar para a civilização como se esta começasse no nosso dia de nascimento, como se o facto de haver elos perdidos na descrição de tempos passados fizesse do nosso tempo o começo da sofisticação histórica. 
Quem gosta de aportar rigor aos seus romances históricos, vestindo os personagens como cópias quase fiéis, dando-lhes vida e acrescentando-lhes os instrumentos de uso do momento, sabe que não é fácil essa transposição do contexto dos usos, utensílios e costumes.
Neste caso, os casanovas e as cortesãs do passado representam-se como fracas caricaturas de si mesmas, incapazes de deixar uma descrição fiel das indumentarias desses tempos. 
Nós próprios fazemos fraca figura quando pensamos ter, em tempo que julgamos sofisticados, pouco para aprender com os nossos antepassados. É bom, que olhando para trás, percebamos o facto de sermos elos do passado, muito menos distantes do que pensamos. 
Não desvalorizando esse respeito que devemos ao passado, "Olhando para Trás", é lição de sabedoria das sociedades que se querem respeitar e preservar da repetição do erro.  

Compadrio, Marketing Approach e David Soares


Este post de Cristina Torrão sobre o compadrio legalizado que é sugerido na revista Ler, estendendo a piolheira nacional aos meandros da edição, parece querer dar razão a quem pensa que a fraqueza dos portugueses está nos seus genes e reforça a percepção que o mérito no nosso rectângulo é um lugar distante.
Portuguese writer David Soares’ recently-released book, O Evangelho do Enforcado is perhaps his best work in a career that has spanned a decade since the release of his first novel, A Conspiração dos Antepassados. It is, as have his other novels been, simultaneously a history of sorts of Portugal’s past and a feverish fantasy that evokes images of the supernatural. But it is here in O Evangelho do Enforcado that I believe Soares manages to mix these two narrative elements together to create a seamless whole that grabs the reader’s attention from start to finish.

 The story here spans roughly sixty years, from 1390 to 1450, during the time that the Portuguese royal family, including Prince Henry the Navigator, began to expand Portugal’s influence beyond the Iberian peninsula. It is a story that revolves in part around the mysterious os Painéis de São Vicente (the Panels of St. Vincent), which was made during this time and which may contain several mysterious references to the royal family of Aviz. Soares devotes a lot of narrative space toward making each main subplot believable and yet fresh and exciting as well.

The intervening two years have only strengthened my conviction that if Soares were to receive the right marketing approach from an American or UK publisher, his fiction could have a strong cross-genre appeal similar to that enjoyed by Carlos Ruiz Zafón. There is something for those who love great mysteries, supernatural occurrences, or excellent historical stories. Not too often does a writer manage to meld these elements together to create a seamless entity that is stronger for having these disparate elements, but Soares is one of those rare talents that manages to do. It is a shame that he is not yet available in translation.
A leitura supra faz-nos entretanto perceber que há uma razão fundamental hoje na edição que se chama «the right marketing approach». Sem ele, sem este lugar aparentado do sexo, mentiras e vídeo, a escrita parece ser um lugar cada vez mais solitário.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Telhados de Espessura Reduzida

Cristina!, é a insustentável leveza de Portugal, e do ser humano em menor grau!
Quando era mais novo e mais ingénuo, porque ainda o quero ser um pouco todos os dias, fiquei marcado quando demonstrei a minha indignação perante um caso de visível corrupção pública. 
Qual não foi o meu espanto quando verifiquei, que aquela minha indignação não teve contrapartida à altura. 
Melhor dizendo: apenas omissão e mudança rápida de tema.
Nesse dia, fiquei marcado: eu, que tinha um telhado de vidro duplo por onde olhava as estrelas, percebi finalmente, que os telhados da minha cidade eram quase todos de vidro de espessura reduzida
E as pedras que eram lançadas contra os telhados de vidro, não provinham dos senhores da terra, mas de um qualquer Deus zangado, ou de meteoritos em queda.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Os Influentes

Naquele largo um homem cujo aspecto exterior tresandava a abandono, mesmo ao abandono da sua própria dignidade, abanava a mão tentando chamar a mão dos condutores transeuntes, vendendo a influência do seu desembaraço, traficando desse modo como outros homens mais cuidados, lugares.  
O seu rosto marcado a sobrevivência, porém, chamava a atenção; houvesse ainda naquele praça, para além do interesse próprio imediato, espaço e lugar à atenção do nosso próximo, a quem já chamámos semelhante.
No lado contrário, uma figura esbranquiçada lembrando uma personagem momo de Gil Vicente, como que acabado de sair de uma saca de farinha, tinha marcado a giz no chão à sua frente um círculo, onde depositava as esperanças do seu imediato futuro.
Este novo homem palhaço, cujo riqueza ou pobreza não dependia de nenhum pedestal, agora sério, mudo, estátua, dava nome à nossa nova condição de homens sofisticados: influentes pelo mediatismo, empedernidos como as estátuas!
      «A influência cansa!», pensou, enquanto pousava os olhos naquela estátua imaculada de branco, «as mais das vezes não pelo desembaraço, mas pelo imobilismo da ausência!»

Lusíadas em Francês



«O vous, hommes vaillants des plages lusitaines
Qui, partis d'Occident, avez par vos exploits,
Soumis bien au delà des côtes africaines
Des mers qu'on sillonnait pour la première fois;
O vous, que méprisant les vents et les tempêtes
A travers les dangers, les combats de géants, 
Parvintes à poser, pour prix de vos conquêtes, 
D' un Empire nouveau les premiers fondements;» 

Amor Incondicional

Gostei muito deste post da MRP.
Porque me abriu a porta à audição de um discurso curto, tão humilde como bonito, tão cheio de gratidão e ironia, como foi o do João Ricardo Pedro.
João demorou dois anos a parir uma parte de si mesmo, a que chamou livro, conjugando como um artesão a trilogia fantástica dos poetas: a emoção, a alegria, a beleza.
Menos tempo que isso demorou a descobrir o incondicional triple AAA, que é a definição do amor companheiro: sem os juros, incumprimentos, austeridades, com que se faz a amizade verdadeira e o amor incondicional.
E nos tempos de fumo que correm, esta influência, não é coisa pouca e marca um pau de esperança no futuro.

sábado, 14 de julho de 2012

Da Lembrança da Importância dos Títulos

Há posts que são verdadeiramente magníficos na sua função de estimular mentes desocupadas, porque são portas abertas para todo o tipo de reflexões malabarísticas, mesmo as reflexões que me assaltam desgovernadas e que deposito no meu ficheiro cerebral pessoal dos meus delírios e parvoíces.
Lembrei-me, pois como o Pacheco (o do ponto contra o outro ponto!) também sou muito assoberbado de tempestades cerebrais embora com a diferença do que o  que eu não vejo, ouço ou sei, comento à mesma! (mal seria que me coartassem a liberdade da palavra por tão pouco),  de como seria interessante os editores possibilitarem a venda de títulos e conteúdos à parte. Seria uma ideia de negócio que não ficaria atrás daquela, argentina, de venderem livros auto - destrutivos, fruto talvez de uma geração educada na «missão impossível», ou de excesso de tangos.

- Vem devolver o livro? - perguntaria o funcionário solícito.
- Não, não! Venho devolver apenas o conteúdo - responderia o leitor compulsivo. - O título quero-o guardar, porque agradou-me. Venho só devolver o conteúdo! - repetiria, perante o olhar prazeroso e cúmplice do funcionário, agradado por tão avisada escolha. - Qual o desconto do conteúdo?
- Caro amigo!... - responderia o satisfeito funcionário, que nem sempre se sentia em sintonia com o cliente - Paga quase nada! Quase noventa por cento de desconto! - garantiu, entusiasmado, enquanto entregava o título ao comprador e guardava para a casa o conteúdo, com a capa como brinde.

As Duas Irmãs

Quem julga
Que as palavras 
Não têm o desenho
Da beleza,
Engana-se.
Como se engana
Quem pensa que 
O desenho 
Não tem o registo
Da palavra.
Elas são nobres
Companheiras
Para a vida
Num encontro
Que não se julgue
Fortuito.
Porque foram paridas
Como irmãs
De armas,
E irmãs,
De artes,
Que é o refúgio
Onde as podemos encontrar,
De mãos dadas
A coscuvilhar
O mundo,
Ou em cascatas,
Que não são meros degraus
Ou meras imagens,
Mas montanhas desenhadas
A cuspirem, graciosas, 
Para o mundo
Que as espera, 
As palavras.

otsaR O O Rasto

arepse es oãn oãçairc aD Da criação não se espera,
acort ad omoC Como da troca,
adan etser oãn euQ Que não reste nada.
aod ón amu meN Nem uma nódoa,
!otsar mu oU Ou um rasto!
Aqui, neste lugar,
Podes encher o saco de ilusões,
E de simetrias
De espelhos,
Ou de inspiração,
Mas deixa qualquer coisa em troca,
Nem que seja um bafo,
Que registe a tua condição
De ser, renegado,
Que quer ser perdoado
Da ilusão de viver neste lugar
...Pasmado!
...Por esta simetria
Das árvores
De que te sentes,
Como num espelho,

odajonE Enojado,
!odajopseD E E Despojado!

Os Eleitos Títulos

Se te sentires esvaziado e escorraçado pelos monstros dos títulos, Que são criaturas estranhas com duas antenas içadas num caminho estreito, Amordaçado na criação da titulação que remunera, Faz favor de recorrer a este pobre mendigo, Arrumador sem abrigo dos muito temporariamente desprovidos, Desvalido por bramidos que assustam e, Em troca, De uma moedinha que conforte a barriga, De preferência não das castanhinhas que se trincam e entram na circulação e no aparelho digestivo, Mas das que nos confortam pelo sonho da leitura nos dias tempestuosos e húmidos, Recebe deste dador uma humilde oferta, Uma bênção, Para te secar e confortar momentaneamente a dor da criação.
Experimenta fazer dos títulos, personagens, elas encarregar-se-ão, Numa luta de eleitos para um só lugar, De afastar as concorrentes, E nessa luta sem quartel do universo da escrita, Onde serás mero espectador sem meter prego ou estopa, Haverá no fim só um, ou uma: Das cinco iniciais, intermédias ou finais, Que tomará para si o Ceptro da eleita, Da tua Venturosa Escrita e da Nossa Prazerosa Leitura. 


Sartre e Beauvoir!


Hoje volto a Sartre e a Beauvoir: quanta saudade na descoberta dos caminhos! quanta saudade na assumpção da escolha!

A Insustentável Leveza da Escrita: Os Novos Plagiadores

Há uma nova manada no horizonte da escrita: é a boiada do plágio, os construtores sem vida que fazem da sua vida corte e costura de recriação. 
Preocupam-me, esses, porque vivem escondidos num mundo novo de representação, um mundo de rede, sem rede, usurpando um pouco aqui e ali pedaços de criação, nas suas ambições tolas e na suas cabeças ocas de grandes senhores. 
É uma boiada que vive de lugares comuns, de frangalhos da escrita, escrita não ruminada, mas engolida e guardada num papo, que é levada ingénua e naif pelas mãos de editores já formatados e cansados de tantas letras, de um abecedário imutável, que não editam autores, mas actores, afectando os verdadeiros criadores, vivendo de emoções desgarradas e desregradas: 
e a cada cornada infligem dano, não por si sós, mas pela quantidade dos elementos da manada que vão normalizando e institucionalizando num tipo de escrita certinha, escrita pouco criativa, igual àquele livro cujas letras vivem a prazo curtinho, como todas as páginas em branco.    

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Ponto de Vista(Zinho)

É curioso como quem faz da escrita vida, pelo menos no bater compassado da sua energia diária interior com uma janela virada para o oceano que o banha, que não nas contas da mercearia, se apercebe dos pequenos nadas. Ele é o título(zinho), a margem(zinha), a espessura(zinha) das letrinhas, os espaço(zinhos), o desenhinho das letrinhas, o encosto(zinho) das meninas (letrinhas!, pensavam o quê?), a dimensão(zinha) das páginas(zinhas)… e todas as ninhas e zinhas que nos assoberbam como num jogo de composição… gosto… não gosto… gosto outra vez… deixei de gostar… há, de facto, tantos títulos como visões de um ponto. 
E como temos nós já a certeza que um ponto de vista é apenas a visão de um ponto!   

Cheirar o Título

A M.R.P. trás quase sempre textos que nos fazem reflectir. E como cada vez mais necessitamos, numa sociedade de usa e deita fora, de reflectir. 
É coisa aliás de que me não queixo, ao contrário de outros que me verberam de deixar os pés em casa e andar pela cidade sem eles. Da titulação não me queixo: aparecem-me pelo menos meia dúzia por dia. O seu cheiro atrai-nos, é como um sentido gustativo, como uma sopa de pedra que se eleve no ar.
Difícil é acompanhar o seu ritmo com o conteúdo, embora não me queixe nem de tempo nem de imaginação delirante, que parece um cavalo de corridas à solta. 
Desde que começo a escrever, cada palavra multiplica-se em múltiplos de ideias: o difícil não é fazê-las sair, é apanhá-las antes que se estatelem no espaço público. 
Mas também é verdade que se estatelarem no espaço público não fazem muita diferença do seu modo de estar no espaço privado. É que esse separação cada vez a titulo menos. 
Talvez seja da matemática que entrava com dificuldade, mas que de tanto martelada, abriu um buraco por onde tudo sai, a uma velocidade comprimida mais estonteante do que a que entra.
 
Penso mesmo que conseguiria escrever um livro só de títulos, seria algo semelhante em bondade ao tal livro que compra o tempo antes de se eclipsar. Este pelo menos seria mais útil: seria assim uma espécie de titulação criativa que daria azo à imaginação. Sempre poderia ser colocado como livro de exercícios de escrita criativa.  Sendo, assim, penso que já antevejo o próximo futuro transformado numa nova profissão: titulador. E como estou em tempo de raiva e de comparativo, vou pedir já o doutoramento àquela polidiversidade que vocês conhecem, e que até gosto do nome pelo Agualusa e pelo Mia: lusófona. Não a de humanidades, mas a de títulos criativos! 


A propósito disto acrescentaria ainda uma nova titulação: Teoria Singular dos Gostos Relativos... se for de mau gosto e pesar pela impaciência, ainda tenho aqui no saco pelo menos mais uns mil, que já incomodam pelo peso, pelo espaço e pelo espartilho criativo do gosto.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A Insustentável Leveza Do Ser

Muito provavelmente uma das obras que mais me marcou, para além da trilogia dos caminhos da liberdade de Sartre. 
A perspectiva do conflito entre o amor ideal e o amor real e toda a ambiência da insustentável leveza do ser torna-se quase inexplicável na marcação do nosso ser.
Se me perguntassem porque a insustentável leveza do ser me toca profundamente, não sabia explicar, porque me toca ser insustentável escavar na beleza.
A idade da razão, a permanência e o com a morte na alma, são elas a minha insustentável razão de viver e sonhar. Será que passa por aqui a leve insustentabilidade do ser?

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Pergunta a Rosário: a Cultura é Chata?

Há quem diga: a cultura pode ser chata como a potassa! Como também quem pergunte: a cultura é chata?   
Mas também quem diz isso é porque não discorreu que a cultura pode ser como o bacalhau seco: pode ser saboreada pelo menos de 167 maneiras; pelo menos aproximadamente a um número desta dimensão, já que desconfio que cada um de nós é um compound cultural com as suas próprias hierarquias.
Na minha hierarquia o Câmara Clara, consta! O que não consta são aquelas formas chatas de entretrer os olhos sem recurso às sinapses cerebrais, há quem ache entristecer, que dão pelo nome de telenovelas, embora elas sejam também inevitavelmente cultura e façam parte de outras hierarquias… e a cultura não se nega a ninguém: é um direito social e humano de última geração!
Concordo também com a Ana B. que a motivação é interior; e o Câmara Clara um excelente programa. Os direitos culturais alargaram-se e hoje são de quarta geração… e de nicho: «a liberdade já passou por aqui!», dirão os mais saudosistas.
Agradeço à Ana a dica da leitura da «Última paragem, Massamá», de Pedro Vieira, esperando no entanto, com natural horror mas com esperança, que a linha estreita que parece terminar em Massamá seja rapidamente desobstruída, e aberta se expanda sem mais dor para lá do nosso Bojador (que é um monstro de cabeças diferenciadas nas nossas diferentes hierarquias; para algumas gerações mais novas, os monstros, hoje, já não são o conde Drácula, nem Frankenstein, nem Mr. Morte… mas a bela adormecida e os seus adoráveis anões).
Desobstrua e acresça, sem esta forma chata de autoflagelação que nos faz descrer de tudo e todos - até das manifestações de Kultur que se nos entranharam e entranham todo Los dias pelos poros.


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Literatura Confessional e Asséptica

«Não gosto da preocupação quase exclusiva com a história bem contadinha, como agora é a moda neste nosso país anglossaxónico. Para mim tem de haver trabalho de linguagem. E, nesse sentido, Mia Couto talvez seja o melhor escritor actual em língua portuguesa. Muito de perto, nunca o escondi, está para mim Luís Caminha, um autor completamente desconhecido e ausente das livrarias, apesar de ainda nem há um mês ter lançado um livro maravilhoso.» Nuno Serrano
Nuno Serrano tem esta preocupação com a edição da história bem contadinha, miúdinha, que não dá espaço ao sonho e à paixão. Gostos! E gostos não se discutem!
Porém, a literatura Portuguesa contemporânea corre o risco da normalização do romance asséptico, da linguagem do dia - a - dia, como se estivesse inscrita no desenrolar de um rolo de papel higiénico reciclado, de profissionais do teclado que atiram enfadados as tintas para a tela, como se estivessem a despejar as sobras do jantar, onde falta a criatividade da sua própria linguagem e as palavras envoltas na poesia de vida. 
O romance caótico, explosivo, metamórfico, diferente, confunde-se com a mordomia branda que nos caracteriza; como o carreirismo, que é uma espécie de entulho sedimentar que só dá silício quando podia dar diamantes.
A gestão do romance confunde-se assim com uma gestão de carreira inodora, traçada nos manuais de boas práticas, onde a chama está trancada e sufocada entre dois dedos. 

Luís Caminha não é um desses autores, como o não é Mia Couto, porventura o melhor escritor vivo de língua Portuguesa, ao contrário de outros que escrevem livros como se estivessem a dar lustro ao umbigo e a discorrer sobre os seus amores frustrados. Estaremos sob o reinado da telenovela que já desceu ao gramado do papel? Mas a vida vale muito mais que mil imagens! 

domingo, 8 de julho de 2012

O Hábito Faz O Monge?

Caro Joaquim


Depois de receber a sua mensagem passei pelo Nicola. Paguei ao MM um copo para afogar as mágoas. Não se fez rogado, embora parecesse estátua. Imune aos estrangeiros que passavam e que com ele queriam tirar uma foto, contou-me a sua estória. Mais uma, de um Português que não se fez cordeiro manso.

«20Dez.1805» disse-me ele, «uma sexta no calendário Gregoriano. Veja lá, ò Pedro. Discutem! Não querem colocar a lápide que lhes pedi. Minha irmã, se o não fizerdes perseguir-te-ei a tua vida inteira, porque parece que ficarei por aqui muitos e bons anos, fazendo-te cócegas debaixo dos pés o tempo todo. Estarás nalgum baile e as cócegas serão tantas, que não saberás o que é ter descanso de bailar. E perguntarás, sem saberes que acertaste no alvo. Será que é um sinal do meu irmão Manoel Maria que queria que se soubesse que tinha sido um putanheiro em vida e de que lhe não fiz a vontade? E se insistires, como insistirás porque és uma senhora, que isso não é nome decente que se ande por aí a gravar, poderás sempre aplumar travestindo o termo em, fina flor do bagaceiro, guasca de fora ou apenas dizendo, que aqui jaz um frequentador assíduo de cabaré ou prostíbulo. Ò José Maria! Insiste! Insiste lá, ò amigo José Maria. Tu sabes qual as palavras que quero na minha lápide. «Aqui dorme Bocage, o putanheiro: Passou a vida folgada, e milagrosa: Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro».

E continuou pela noite dentro, até a madrugada dar lugar a nova flora. Perto da esplanada arrastavam-se dois seres amarrotados e desmazelados que há muito tinham perdido os hábitos. «Custe o que custar», dizia sob o sol dos holofotes, o outro que sempre tinha tido as camisas engomadas, transido de raiva de ter sido contrariado. «Custe o que custar», respondeu-me Manoel Maria versejando agarrado ao garrafão, que já se sentia a arrecuar duzentos anos ao tempo do sanatório:

«Dizem que Flávio glutão
Em Bocage aferra o dente:
Ora é forte admiração
Ver um cão morder na gente!»

Será, Joaquim? Que este hábito não só não fez de nós, monges, como fez de nós, não gente!

Um abraço meu... e do Manoel Maria!

sábado, 7 de julho de 2012

A Beleza Do Belo

Se me perguntassem se optava pela beleza ou pela fragilidade da alma, optava pelo segundo retrato. 
É que a beleza exterior, efémera e relativa, sem a interna, é apenas uma tela em branco. 
A fragilidade essa, sim, é que chama a atenção e faz de nós melhores homens que procuram uma alma frágil para proteger.  

sexta-feira, 6 de julho de 2012

FiFi, A cadela Petulante!

Era uma vez uma cadela
que se achava importante
detestava qualquer trela
que arrancava num instante.

Dona dona irritada:
- Ò Cadela petulante,
de crista levantada
e de focinho irritante!

- Encontrei-te escorraçada
sem esse modo elegante,
lá no caminho do nada,
não sejas mais arrogante!

E a pobre, emproada,
deu-se grata por viva,
e caindo em si, envergonhada,
rolou uma lágrima furtiva.

O Hábito Já Fez O Monge!


Este monge que faz o hábito faz-me lembrar a polémica que derramou sobre a sociedade como se o ovo se tivesse quebrado, com risco de se perder a clara e a gema.
Sobre o Estado versus o Privado - pedagogia da economia - devem ser só os funcionários públicos a ficarem sem os subsídios? ou devemos alargar os impostos ainda mais às galinhas que põem os ovos, roubando-os e não permitindo que nasçam mais pintos que ponham ovos?
O problema é de uma confusão enorme, embora de uma não enorme complexidade. Confusão que vai na sociedade portuguesa, sobre o papel do público e o do privado.
 
Antes de haver uma coisa chamada, público, e outra, privado, existe o que se denomina de agentes económicos. Os agentes económicos são, na sua base, as pessoas como seres particulares na produção de bens do dia-a-dia (bens económicos). Agregados, tornam-se agentes económicos colectivos, através da criação das empresas. O Estado, por seu lado, aparece como uma abstracção que visa colmatar as falhas e regular a relação entre as pessoas (os privados). O público pede assim aos privados verbas (hoje não pede, exige, há quem diga até que esbulha) para colmatar aquilo que os agentes económicos não fazem - tendo em consideração falhas de mercado que criam lacunas, exclusão ou falta de ética na repartição. Quando o público se torna excessivo, começa a sufocar os agentes económicos. Se estes sufocarem, o Estado deixa de ter verbas ou sufoca ainda mais os que se ainda se aguentam... ao ovo!
 
E este é o e(E)stado a que chegámos! É que os agentes económicos que já não aguentam mais tanto esforço fiscal, fecham, morrendo em consequência o Estado - começa pelo social e rapidamente se pode alargar às funções básicas do mesmo.
 
Afinal, não é só na vida das pessoas que se coloca o dilema de quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha? Muito menos o dilema de ser o hábito que faz o monge, ou o monge o hábito. No plano literário, o Monge pode ser uma natureza morta, mas o Hábito chama-se veículo - o veículo marketing - que é uma espécie de galinha que vai dourando e alourando os ovos. Sem um bom marketing já não há galinhas que ponham ovos e muito menos hábito que faça o monge! A não ser com boas decisões salomónicas… mas Salomão é agora um veículo!

terça-feira, 3 de julho de 2012

Poupo-te Aos Espinhos

Não me lembro há quanto tempo não te embalava e te afagava,  mas foi há muito. Usava-te, no entanto, encapotada e embrulhada como se fosses um objecto frágil, como se te quisesse poupar aos rigores desta viagem ou ao embaraço, ou talvez não ao embaraço, mais ao dano desta viagem que nos desgasta, por dentro e por fora, e que nos torna duros como aço.

Selva de Terra

Há uma estrela no firmamento
Que não pára de assobiar ao meu ouvido,
Como se o assobio que emite
 
Fosse uma campainha deixada aos elementos.
Por baixo dela, descansam os homens e as mulheres
Que emparedados entre o solo e o firmamento

Sabem que um dia serão guiadas por esse silvo
Que lhes ensinará e guiará o caminho,
E lhes abrirá de par em par a porta do céu,

Ou as enviará, sem perdão e remorso,
Que remorsos é sentimento que os deuses
Não se permitem,

Para as baixas portadas do inferno.
E o pouco que sabem de estrelas,
É que elas são lugares brilhantes,

Onde repousam e convivem os anjos e os deuses
A quem chamam seres mirabolantes,
Olhando para esse lugar longínquo que descansa a seus pés
E que dá pelo nome de selva ou terra de demónios.