Nunca
me entrou na cabeça gente má, mesmo correndo o risco de ser apelidado de
moralista e mesmo sabendo que as bordoadas da vida - e principalmente as
bordoadas da infância, a desestruturação familiar - cultivam, em maior ou
menor dose, os maus fígados e rancores muito pouco humanos. Só por isso
dificilmente construiria uma carreira política, já que distribuiria pelos meus
concidadãos sempre muito mais flores, do que levantaria o cajado para
distribuir umas pauladas a quem se esquece da sua condição humana de passagem,
a quem se esquece que a vida dos outros não é por si determinada. Para contrariar
esse mau pensamento quase sempre me rodeei de animais ditos irracionais - para além dos outros obviamente, que uns são uns e outros, outros, como se diria há poucos dias - para
alguns e do mais racional e fiel amigo para outros – o cão – principalmente para
aqueles que pensam o estômago como mais importante do que a humanidade. E não
falo do bacalhau, mas daqueles que alguns dizem não ser capazes de grande complexidade,
de respeito pelo outro, de afectos, de simplicidade e nobreza de carácter. Para
contrariar tudo isto sempre adoptei no contacto com os outros um sorriso, melhor
porta de entrada do que uma «cara emburrada» embora possa estar com regularidade «açoitada» – e mesmo que haja também quem
confunda a afabilidade com a idiotice de um mr. bean e o ridículo – como se houvesse
algo mais ridículo do que repousarmos num caixão a alguns palmos do chão para a
eternidade! E nunca me preocupei muito em blindar as minhas opiniões e os meus
sentimentos, mesmo que alguns pensem devermos manter alguma contenção na
transmissão da imagem: aquilo a que outros teimam em chamar de «aparências!»
Quem não deve, e só concebe o ser humano na equidade, não tem de temer a
comparação com o outro... ser. Felizmente que vivemos rodeados, também, de bons
exemplos e boas acções. Por isso faço «desporto pessoal» daqueles que se
consideram muito importantes, muito cheios de vento e de quase nada de relevante, senão
muitas vezes omissos de afecto - e de palmadas higiénicas e pedagógicas. Um dos
meus maiores medos foi sempre o de ser sujeito a tais injustiças, como do personagem Valjean de Hugo, que me mudassem
- transitoriamente, como Valjean provou - para uma índole, azeda, amarga, desumana. Dito isto, um dos livros que deveria
estar sempre à nossa cabeceira não sendo ficção, tem tanto de ficção como a de autores
como Tennessee Williams e a sua «Cat On a hot Tin Roof» ou «Gata em telhado de
zinco». Falo da Teoria Social, de Bryan S. Turner, de que há um livro que não é
mais do que uma excelente introdução aos grandes desenvolvimentos da teoria
social contemporânea. Com as suas teorias da acção e da praxis, as acções, os
actores, os sistemas, a teoria social e a psicanálise, os interaccionismos
simbólicos, as teorias como a da escolha racional, a da cultura, a do tempo e
espaço, a teoria da esfera pública, seria possível uma dessas figurinhas ter
recentemente querido matar, em plena assembleia, em plena casa do povo, os seus pais? Não me parece,
porque o sentido da irrelevância humana e das proporções face ao espaço, ao
tempo e à natureza, não lhe permitiria.
E é talvez por isso que a obra e a vida
são simultaneamente verdugos e anjos de uma complexidade humana que nos faz
predadores e guardadores de rebanho no mesmo espaço e em tempos tão pouco diferidos.
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