Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Ghost-Writer

 
                  Com a minha mão tapo a minha escrita; 
                  dela só vejo a sombra, 
                  como um  rasto que se afasta 
                  e me arrasta
                  para um lugar finito;
                  ela não é minha; 
                  só não lhe sinto a dor  
                  enquanto não me aparto dela.
                            
                   PAS

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Breviário de Um Repúblico - Entre o Estadão E As Teias Neofeudais do Micro-Autoritarismo: José Adelino Maltez

Se há alguém que faz polpa do sofrimento alheio esse alguém é um dos meus académicos preferidos: o José Adelino Maltez . 
O José, escreveu um «breviário» do estado da nação com o apelativo e identificativo nome de «Breviário de um Repúblico - Entre o estadão e as teias neofeudais do micro-autoritarismo».
Este breviário, deste livre pensador trabalhador e trabalhoso da história, da palavra e das nossas raízes mais próximas, promete.
Um português superlativo, para quem a palavra cola com a acção tornando-a carregada de significado e que distribui em gomos o nosso sofrimento, que admiro e com que me identifico no seu olhar sobre a sociedade actual.

O Sofrimento, Esse Ignitor Da Vida

Já sabíamos ser o homem animal curioso, que interage com os outros animais e com a natureza; já sabíamos, pela imprensa e pela experiência, não necessariamente pela mesma ordem, que o cansaço e o stress profissional podiam ser motivo de falta de interesse; já sabíamos, pelos tempos que nos vão dando essa notícia, que adoramos ser sátrapas do espaço e da dimensão do nosso semelhante; já sabíamos que acontecimentos fora da norma prendem a atenção deste animal cheio de hábitos, maus e bons, sempre à procura de se desabituar: já dizia Sócrates, o do S grande, que quanto mais curiosos, mais desenvolvidos e sábios os homens se tornam. Esta avaliação de Sócrates não terá nada, aparentemente, de finalista: já que a história não a confirmará cheia que está de processos bárbaros, a que chamaram «desenvolvimento».
O que é pena, em definitivo, é serem, a harmonia, a bondade, a reflexão própria - centrada na relação harmónica - e o equilíbrio, variáveis consideradas entediantes e desinteressantes pela voz mediana animal: o que vende no mundo animal são as emoções fora da norma, que nos avaliam como ser «ainda» vivo.
Este desfrutar ao longe do sofrimento alheio fará, talvez, parte do mesmo mecanismo que nos faz meter, por boas e más razões, em vida alheia; querendo impor as nossas verdades, as nossas vontades, as nossas certezas, as nossas espertezas, as nossas mensagens
Será talvez um mecanismo de exorcismo, ou de comparação e de avaliação de nós próprios, em contexto diferente do nosso, já que vivemos nos outros e pelos outros: sem isso, poderíamos sentir-nos como inertes pedras da calçada.  O sofrimento, esse é como um ignitor da vida!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O Caminho Da Justiça

Sempre pugnei pela elevação do espírito, pela igualdade, pela verdade, pela tolerância, pela amizade e pela solidariedade entre os homens. Nunca percebi o sentido da maldade talvez por ter tido a absoluta (e só aqui esta palavra faz sentido) e suprema «sorte?», de uma infância recheada de felicidade, numa abastança de afectos e materialmente confortável sem excessos.
Sofro, assim, no sentido cristão e acima de tudo humanista pelos que sofrem injustiças e se tornam mais tarde eles próprios veículos de injustiças. 
Deus, «aquilo» ou «aquele» que não compreendemos, deu-nos todos os instrumentos para sermos homens justos. Saibamos merecer essa dádiva!     

PAS

A Fórmula Da Escrita!

O homem parece ter uma capacidade inata de dizer as mesmas coisas por formas diferentes, muitas vezes encontrando dissemelhanças, onde só há regularidades. Repare-se como, em menos tempo que o diabo esfrega um olho, mesmo quem disfarça relativizando o absoluto, se apercebe como somos animais contraditórios. Assim tenho de me reparar: concordo, em relativo! 
«Sem dúvida», ou deveria dizer peremptoriamente «com dúvida?»
O grande escritor é uma espécie de aprendiz de cálculo combinatório, que combina o enredo - e que melhor enredo do que a nossa vida? - com a poesia, como fruto da harmonia. Toda a vida, aliás, parece jogar nessa combinação: não há vida sem enredo e não à vida – alegria -, só há tristeza, onde não há «poesia». 
E, para tornar mais complexa a equação, há muitos tipos de escrita: a formal, a informal, a criativa, mesmo que no fim só haja um tipo de escrita: a que nos encanta, a que alguns chamam para si de boa; a que encanta pessoas, como a hospedeira das HE, que pela sua carga extraordinária de leituras – tem uma sensibilidade particular para a sua leveza e beleza melódica associada! Mesmo com a relatividade – menos acentuada do que o comum dos mortais na percepção das notas. Afinal, a literatura parece aproximar-se da música.
É, curiosamente, quando a extraímos da grande pauta que sempre foram os livros, de que nos apercebemos serem as letras decifradas alfabetizadas, na nossa boca, belas peças de notas melódicas. É talvez por tudo isto, que cada vez seja mais difícil a afirmação de um escritor. A música inunda o espectro físico por todo o lado. À combinação de notas já parece faltar a dissemelhança. Pelo menos a sua componente narrativa, à medida que somos inundados de narrativas de vida. E sem dissemelhança soçobra a alegria da descoberta e do novo. Restará a poesia? Uma resposta à medida das «três vidas» do Tordo, do equilibrismo que temos de colocar na corda, e de um milhão de combinações de notas. 
Façam, por favor, o vosso jogo!

Shabat Literário

Lapalisse diria que só se é escritor, escrevendo. No meu mundo de escalas, não há lugar para o absoluto. Tudo é demasiado relativo, o absoluto mora num lugar improvável que possivelmente só conheceremos em morte. Dificilmente digo que «não gosto», facilmente extraio alguma beleza da fealdade de que dizem existir e de tudo o resto que nos rodeia. Li quase todos os livros do João por ordem temporal: a sua maturação não passou despercebida. Noto, de obra em obra publicada, uma ligeireza e harmonia cada vez maior. É essa harmonia que faz o escritor. Uma harmonia conquistada, aprendida e apreendida todos os dias. Só se é escritor, escrevendo; e escrevendo muito, seja-se publicado ou não publicado, animal de raça ou rafeiro. O nosso olhar vai-se tornando cada vez mais arguto, as palavras jorram cada vez mais escorreitas, a trama é um lugar cada vez mais sólido e coeso. Na nossa cabeça a consolidação do processo vai-se harmonizando, o objectivo final, totalmente não alcançável, infinito, funciona por incremento, por aproximação infinitesimal – nada de muito original, aliás, como em toda a aprendizagem. João Tordo, na minha relativa avaliação, é mais enredo e menos poesia; é mais «estória» e menos espontâneo; é mais escrita de ardil, ardilosa no sentido de um escritor de arrumação de conteúdos, com um padrão visível de escola. João é um profissional, um operário em construção, que constrói a casa não pelo topo, mas pela base. E seja pelo topo, ou pela base, a construção de uma «estória bela» só tem de resistir como na história das três casas, «como poderia ter sido nas três vidas», ao sopro do «lobo»: seja ela de palha, de adube ou de tijolo, o que interessa é a sua beleza harmónica interior e exterior.     

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A Obra pela Vida

Nunca me entrou na cabeça gente má, mesmo correndo o risco de ser apelidado de moralista e mesmo sabendo que as bordoadas da vida - e principalmente as bordoadas da infância, a desestruturação familiar - cultivam, em maior ou menor dose, os maus fígados e rancores muito pouco humanos. Só por isso dificilmente construiria uma carreira política, já que distribuiria pelos meus concidadãos sempre muito mais flores, do que levantaria o cajado para distribuir umas pauladas a quem se esquece da sua condição humana de passagem, a quem se esquece que a vida dos outros não é por si determinada. Para contrariar esse mau pensamento quase sempre me rodeei de animais ditos irracionais - para além dos outros obviamente, que uns são uns e outros, outros, como se diria há poucos dias - para alguns e do mais racional e fiel amigo para outros – o cão – principalmente para aqueles que pensam o estômago como mais importante do que a humanidade. E não falo do bacalhau, mas daqueles que alguns dizem não ser capazes de grande complexidade, de respeito pelo outro, de afectos, de simplicidade e nobreza de carácter. Para contrariar tudo isto sempre adoptei no contacto com os outros um sorriso, melhor porta de entrada do que uma «cara emburrada» embora possa estar com regularidade «açoitada» – e mesmo que haja também quem confunda a afabilidade com a idiotice de um mr. bean e o ridículo – como se houvesse algo mais ridículo do que repousarmos num caixão a alguns palmos do chão para a eternidade! E nunca me preocupei muito em blindar as minhas opiniões e os meus sentimentos, mesmo que alguns pensem devermos manter alguma contenção na transmissão da imagem: aquilo a que outros teimam em chamar de «aparências!» Quem não deve, e só concebe o ser humano na equidade, não tem de temer a comparação com o outro... ser. Felizmente que vivemos rodeados, também, de bons exemplos e boas acções. Por isso faço «desporto pessoal» daqueles que se consideram muito importantes, muito cheios de vento e de quase nada de relevante, senão muitas vezes omissos de afecto - e de palmadas higiénicas e pedagógicas. Um dos meus maiores medos foi sempre o de ser sujeito a tais injustiças, como do personagem Valjean de Hugo, que me mudassem - transitoriamente, como Valjean provou - para uma índole, azeda, amarga, desumana. Dito isto, um dos livros que deveria estar sempre à nossa cabeceira não sendo ficção, tem tanto de ficção como a de autores como Tennessee Williams e a sua «Cat On a hot Tin Roof» ou «Gata em telhado de zinco». Falo da Teoria Social, de Bryan S. Turner, de que há um livro que não é mais do que uma excelente introdução aos grandes desenvolvimentos da teoria social contemporânea. Com as suas teorias da acção e da praxis, as acções, os actores, os sistemas, a teoria social e a psicanálise, os interaccionismos simbólicos, as teorias como a da escolha racional, a da cultura, a do tempo e espaço, a teoria da esfera pública, seria possível uma dessas figurinhas ter recentemente querido matar, em plena assembleia, em plena casa do povo, os seus pais? Não me parece, porque o sentido da irrelevância humana e das proporções face ao espaço, ao tempo e à natureza, não lhe permitiria. 
E é talvez por isso que a obra e a vida são simultaneamente verdugos e anjos de uma complexidade humana que nos faz predadores e guardadores de rebanho no mesmo espaço e em tempos tão pouco diferidos.  

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Viver Poesia

Há quem leve a vida demasiado a sério. Pura perda de caminho.
Como a Rosário aqui, penso que a poesia é um lugar escondido, uma espécie de proximidade de deus - mesmo para agnósticos. Gostei muito da frase «uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa», porque encerra o espaço que nos separa (d)o céu da terra.
A poesia tem essa capacidade paliativa indolor, onde até a dor de uma fractura tem uma métrica e uma rima (há quem diga, até, embora não nos devamos meter em polémicas, que substitui com vantagem as religiões). À que continuar, assim, a escavar usando de artroscopia introspectiva», procedimento virtual sem instruções que alguns não conhecem - embora desconfiem da sua existência. Só assim se consegue reconstruir sentidos para esses «ligamentos», que ainda não sabemos traduzir e exprimir - mas que nos conduzem felizes ou melancólicos por estes caminhos da vida.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Nova Vida

Quando a foi visitar à prisão, as olheiras denunciavam noites mal dormidas e preocupadas. Ou talvez não, talvez fosse o tempo que já lhe cravara estas rugas, como a sinalizar-lhe que o tempo estava a esgotar-se. 
Quando subiu a rampa, a mesma pareceu-lhe difícil de ultrapassar, como se cada pezada dos seus maleáveis mocassins de lona, mas de duras capas de couro, arrastassem e impelissem o chão que pisava para o logradouro inicial.
Enquanto esperava na sala, destinada aos encontros entre os libertos e os cerceados de liberdade, afadigava-se a perceber se a sua condenação não era mais profunda que a condenação da sua filha.
Na verdade tentava perceber onde falhara, se no retrocesso colateral afectivo da sua separação marital, se nos meandros da sua aparente despreocupação e atenção. Só com relutância conseguia sentir algum deficit da sua parte, ele a quem a vida exigira uma esgotante jornada de trabalho. Sentia-se como o advogado pro bono a quem acusassem de um resultado para cuja acção não tivesse contribuído. A seu lado, outros familiares quedavam-se calados e absortos como se os povoassem as mesmas interrogações de culpa. A todo o momento procurava no ar sinais respostas daquilo que falhara. A todo o momento encontrava respostas que aquilo que falhara tinham sido eles, os seus infantes, objectos das melhores escolas, objectos de um esforço material substantivo da sua parte. Se isso não era amor, o que seria?
A ela um dia tinha-lhe perguntado:
- O que é que te falta?
- Nada, teria respondido - como se nessa resposta não estivesse contido um tudo para além do nada que não se adivinhava.
Como um estouro de uma manada, o sopro da sua vida dera-se aos poucos, como se todas as frustrações e engulhos da vida, tempos novos de dificuldades, de subemprego, de desemprego, de desencontros filiais, se fossem acumulando naquelas pernas como patas a passo, musculosas e vigorosas, mas libertadoras. Patas que arrastam ternamente primeiro o pó, onde se arrastam por procura de forragem, patas que impelem e expelem o pedregoso depois a trote e depois a galope pelas imensas pradarias da vida.
Quando entrou na sala viu-a menina, apesar dessa menina moça contar já mais de um quarto de século de vida, uma fortuna para outros tempos de vida.
E foi depois desse dia que notei a maior transformação física da sua vida. Os seus cabelos como da noite para o dia, de um castanho claro, tornaram-se de um grisalho quase prateado como se um novo filão prateado escondido de dor e de impotência, pelo destino das suas vidas, tivesse assomado à superfície.

PAS

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Vaidade Poética

Um prémio literário como o da fundação Inês de Castro, merece um ramo de rosas e uma Castro.
Não vou novamente dar os parabéns à Rosário nestes tempos de colher os doces «fruitos», porque embora não muito prolixa - para os seus leitores, obviamente! – é, por isso mesmo, como nos ensina nas suas entrelinhas, «prolixa» na concisão e na magia desses poemas curtos em número pós rascunho, finalistas sublimes, quase a raiar as «cantiga de amor» - e que a todos «canta» e… encanta.  
A concisão e o rigor são a sua arma. Armas letais para o fastio, para o enfadonho, para o excesso; a certeza e a minúcia da escrita são o seu dom.
Um dom conseguido no cruzamento da reflexão com a minúcia - e com os percalços do amor numa espécie de cruzamento do Terreno com o Olimpo.
O post da Rosário aqui gera no entanto - e é esse poder gerador atractivo e reflexivo que prende pela identificação os seus leitores - um aparente paradoxo. Uma aparente sentida vaidade humana positiva de criador com um stress paralelo e uma ansiedade demasiado humana, como se o poeta fosse merecedor de um fardo de que não se consegue livrar.
Para o poeta a realidade existe, mas é demasiado comezinha e irrelevante para merecer o seu sacrifício. 
No caso da poesia da Rosário, que a fortuna a deixe durar muito que o engano de alma «não sendo aparentemente ledo», é muito menos pequeno, quanto mais «cego».

A Adição do Poder

O poder tem uma capacidade de adição que vai para além da compreensão do homem como cidadão desprovido dela. Um das características que a cidadania devia pesar na balança dos «checks and balances» reporta mais às características intrínsecas do ser humano no pré – exercício dos seus poderes do que à sua ideologia. A ideologia é nos tempos que correm - mesmo que alguns reportem resquícios de neo-liberalismo, totalitarismo de estado ou pequenos flashes de apropriação societária – mais um amontoado de consequências do que um fim. 
A sociedade, hoje na sua fase ideológica da adoração do bezerro de ouro, perdeu o sentido das proporções; perdeu o fio da meada do seu porvir mais nobre: a entrega de um mundo mais higienizado - e puro, no sentido de um «estado selvagem de natureza» ingénuo - aos seus «postcipados».
Em sociedades em que o poder de poucos molda as políticas públicas - mesmo que eivadas de pequenos poderes fácticos sempre à procura de abrigo e de santuário, da entreajuda dos interesses até ao parasitismo egoísta degradante «amebiano» - e em que a democracia parece apenas um momento de «saque» da legitimidade – e a participação, uma falácia - uma espécie de olhar perscrutador predador «de águia», no sentido de provedor de sobrevivência, é necessário. 
O eleitor devia olhar assim - para o «seu?» candidato a representante - mais numa perspectiva do ser humano holístico do que a qualquer outro indício. No olhar pré-eleitoral, ao candidato, o representado deve tentar elaborar sobre o mesmo uma espécie de análise psico - comportamental e sociológica: como se estivesse a estudar «o animal» num aquário com cavernas, e outras reentrâncias escusas, divisando hábitos visíveis mas acima de tudo as regularidades ocultas. 
Deve também cumulativamente tentar «isolar» a capacidade empática do mesmo em indicadores como a sua capacidade de entrega aos outros; a sua maior ou menor generosidade; os graus de bondade; o grau de tolerância; a sua coragem; o seu sentido das proporções; a sua capacidade analítica, totalista; a sua capacidade de ouvir, ver e de se «mixar» - aquilo que se denomina de sentido de serviço público; o seu desprendimento material; a sua maior ou menor espiritualidade; a sua percepção do relativo e do absoluto – a insustentável leveza não apenas do «ser», mas do «ser» no tempo limitado, as feridas e as cicatrizes que carrega – que todos carregam! - e a influência no seu comportamento.
Tudo isto dissecado - e somado - deve dar uma margem para todos os imponderáveis de carácter, devendo os crentes rezar muitos padres – nossos e umas tantas aves – marias, rogando que o «seu» candidato não seja tomado pelo «diabo».
Neste caso, grave, convém ter sempre à mão toda uma legião de técnicas e procedimentos que abram as portas de saída ao demónio: desde os pantáculos do Grimório mais conhecidos como «A Chave de Salomão», ao estudo do caso «Anneliese Michel», à utilização sistemática e apaziguadora «do nome de Jesus».     
Como se confundem normalmente espíritos narcísicos com auto estima – que os processos não são lineares, mas obviamente complexos - transtornos dissociativos de identidade - comuns a várias doenças mentais de quem se exime de viver num mundo mais ascético e simples como a histeria, a mania, a psicose, o «síndrome de Tourette», a epilepsia, a esquizofrenia, … - e toda uma panóplia de elementos podem estar associados, exigindo grande atenção e cuidado na avaliação.
Alguns casos revelam até formas denominadas de «demonopatia» - em que o sujeito acredita estar possuído por um ou mais demónios - ou mais grave ainda - já que revelador de inconsciência e de resultados gravosos inconscientes para o seu semelhante - formas de delírio de grandeza ou certezas absolutas – imutáveis?! - e grandiloquentes.
Menos grave é aquilo que se designa de idiotice ou estupidez (nas suas diferentes subespécies: da imbecilidade à inépcia); forma, no entanto, não necessariamente nas consequências - que não nos sintomas – menos devastadora para a sociedade.  
E é assim que à semelhança dos demónios com quem se tem de usar o poder geral baseado na fé na oração de libertação, “Aqueles que acreditarem em Meu nome expulsarão os demónios...” (Mc 16,17), o poder que Jesus concedeu a todos os que crêem, o de participação e não omissão ou não alienação no seu destino, ainda permanece válido.
E é assim que o simples cidadão, homem culto ou homem simples, mas de carácter e dignidade inquebrantável, deve ater a alguns factos (não fatos… que não se alimentam aqui imbecilidades!) indesmentíveis: os três sinais, indicados no Ritual de cidadania como sintomas da possessão – falar línguas desconhecidas (e julgar-se um génio por isso); possuir uma força sobre-humana (para o afastamento da realidade dos seus compatriotas, do ser humano em geral e que toma o nome mais comezinho de desumanidade); conhecer «coisas ocultas».
Estes possessos, estas perturbações maléficas, estas presenças demoníacas, são assim fruto de uma adição que toma, e torna, o homem simples, num caso de psiquiatria, exorcismo ou simples resultado da falta de participação cidadã.
A cada um cabe escolher o modo, o ponto de vista, como gostaria de se relacionar com este poder para o anular a cada instante.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Espécime Moribundo

Dizes que a poesia não existe;
Que é um espécime moribundo
Extinguido em vida,
Uma heresia,
Um cartapácio de palavras,
Sem cheiro, nem paladar,
Um animal no deserto,
Um dromedário sem bossas,
Uma ilusão fingida,
Uma miragem.
Dizes que a poesia não te toca!
Que só a vida
Te belisca e apalpa,
Que só a dureza das pedras,
A alegria dos amigos
E as lágrimas
Palpáveis e líquidas
Te importam.
Dizes isso,
Porque ainda não sabes
Que a tua vida
Há-de mudar um dia
Para um outro patamar,
Mais gasoso,
Mas muito mais sólido,
Por certo.

PAS

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Trecho de «O Livro Dos Contos Siameses: Pedro E Cristina»

«… pedro e cristina

- Ei, tu… sim, tu! Estou-te a chamar. Não ouves? Não queres ouvir? Não levantes os ombros! Não fujas!
- Eu sei! É um problema de saúde pública.
- Desse tipo de saúde? Infecciosos? Não, não estamos infectados, nem somos leprosos! É preciso coragem? É, e muita! O que achas irmã? Não poderíamos ter usado esta coragem para nos levantarmos?
- Levantar-me, irmão? Mas eu levanto-me todos os dias, só não levanto a minha dignidade que se mantêm em baixo, dobrada ao peso dos dias. Ficámos sem casa; ficámos sem mãe; morreu o nosso anjo!
- E agora o que fazemos? Nunca trabalhámos, pelo menos desse trabalho, do assalariado, do que vende o tempo a troco de quase nada, quantas vezes a alma, que não retribui com um sorriso, uma palavra agradável, um afago, um carinho, o esforço, quantas vezes a lealdade, a amizade, a entrega, pelo menos eu, que tu eras um publicitário, um garboso publicitário, irmão lindo, cruzavas as palavras umas com a outras, rimava-as, adocicava-as, vendias ilusões, arrastavas donas de casa e consumidores, até que um dia, um homem petulante, sem coração, um dito tecnocrata, te tirou do caminho, bem sei, com mil desculpas, eu não tenho culpa, peço perdão, mas a culpa é de quem nos exige mais cada dia, uma taxa, uma sobretaxa, um imposto, um sobreposto, um custo, um sobrecusto, uma portagem, uma comissão, em nome da dívida, em nome do deficit, em nome do utilizador - pagador, em nome do pagador - poluidor, em nome da democracia, em nome da sustentabilidade, em nome da política, em nome de um povo...»

PAS

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O Dilema De Mo Yan

A Cristina (Torrão) fala aqui no Dilema de Mo Yan repartido no julgamento, «entre a assumpção de carácter de uma prostituta e a miserabilidade de se viver em regimes esclerosados.»
O último livro (que li!) do escritor/historiador Antony Beevor, «Paris após a libertação...» dá-nos exemplos de como os homens de arte franceses (e os franceses em geral) se comportaram face à ocupação; e de como mais tarde, sob a ocupação alemã na II G.M, a frança lidou na percepção às opções de cada um (ideológicas ou outras).
Da colaboração consciente - grandes traições - à indiferença do outro, à omissão, à passividade, à luta… há todo um catálogo de comportamentos de colaboracionistas, resistentes ou simples inertes, que revelam um único fim sob várias formas do homem animal: a sobrevivência pura e dura!

Apelo À Mátria

Não passa um momento que a mãe terra, essa Mátria que nos deu à luz, não ruge um rugido altivo de leoa, soando neste tempo de trevas a arrependido e dorido. Não passa um momento que o campo mais verde se arrepie e se descolore, tornando-se árido e desprovido de verde. Não tarda um momento que as flores, de que te quero dar um ramo, se tornem murchas. Mãe! Que pátria é esta que te arrebanha os filhos? que campo é este que não nos saceia a fome? que costa é esta que não nos alimenta? que espaço aéreo é este, que nos levanta voo para outros lugares que não têm o nosso coração? que orvalho é este que tomou conta dos nossos seres? que enganos são estes, vagas esperanças, de que nos davam, uma e outra vez, como se de pepitas de ouro se tratasse, até se tornarem tantas que não as consegues contar? que alma é esta de que nos diziam não ser pequena? que bruma é esta pior do que a de alcácer, que acabou com o nosso encoberto colocando-nos a descoberto de todos os perigos e sevícias? que cobardia é esta que tomou os campos do nosso quintal? que sandice é esta que nos entontece o peito? que desfortuna é esta que impuseram às nossas cabeças? que correntes são estas que nos agrilhoam ao lugar de escravos? Mãe! eu não nasci para viver num tal lugar! Mãe! retorna-me prestes à terra para eu puder uma vez mais nascer e dizer com a força do primeiro grito, «eu quero um lugar mais alegre e viçoso para criar e onde viver para morrer com fulgor e ganas!»

PAS

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Homenagem ao Poeta

Poeta,
Mesmo que o teu coração pule a 200
Não te deixes intimidar.

Ridículo é crianças passarem fome
Adultos chorarem
(Por falta de pão… para os filhos!)

Ridículo é semear a discórdia onde há paz,
Ver feiura onde só há beleza,
Maldade onde só há candura,
Interesse onde só há partilha.

Ridículo é achar ridículo.
…Nem as cartas de amor são ridículas!

Mesmo que o sentimento seja
O de uma enorme
Formiguinha no firmamento
A exactidão da poesia
E o lugar que ocupa
Será como um belo arranjo florido
Nessa quinta das quintas
Onde o teu nome será
Para que conste,
E conte,
A primeira das leituras.
E mesmo que lá não estejamos
Seremos o(s) primeiro(s) dos ouvintes.

PAS

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Variação Sobre «A Estética Da Literatura!»

A ESCRITA… ESSE CAMINHO COLORIDO! No espaço real debate-se, hoje, a dicotomia entre a escrita intimista e a realista/despojada. O que queremos sentir? Há quem julge - julgar (o outro) faz parte da nossa matriz humana, do nosso espelho -, entretanto, a literatura pelas Mil E Uma Palavras Da Sua Estética: A Estética Da Literatura.  
Que não tem formas, nem géneros. Toda a narrativa tem de ser/ter poética? E que elementos são estes que povoam o nosso imaginário literário? Diversidade, nicho, vidas, descritivo, conteúdo, ficção, imaginário, intimismo, surrealismo, mistério, impulso de vendas, networking, promoção, interesse, divulgação, selecção, géneros, fins, meios, mistério, experiências, santidade, apetências, momentos, patamares de escrita, prémios, motivação, narrativa, poética, estética, beleza, conteúdo... Nestes elementos me reconheço... à vez... Toda a narrativa tem de ser poética?... ou tem de ter conteúdo estético, beleza… para lhe dar vida?...  Escolhe A(s) Que Te Agrada(M) para seres feliz!

As Mil E Uma Palavras Da Estética Da Literatura

Toda a narrativa tem de ser poética? Diversidade, nicho, vidas, descritiva, conteúdo, ficção, imaginário, intimismo, surrealismo, mistério, impulso de vendas, networking, promoção, interesse, divulgação, selecção, géneros, fins, meios, mistério, experiências, santidade, apetências, momentos, patamares de escrita, prémios, motivação, narrativa, poética, estética, beleza, conteúdo...
Nestes elementos me reconheço... à vez...  
Toda a narrativa tem de ser poética?... ou tem de ter conteúdo estético, beleza?... 
Escolhe A(s) Que Te Agrada(M)!

Excerto De «Incarnations»

lxiv. INCARNATIONS
 

Mona,
Soube agora,
In Lunatica Desnuda,
Que incarnaste
Inúmeras figuras
De que te não sabia parte.

Banksy deu-te um
Traseiro carnudo
Com que te apresentar ao mundo.
Brindou-te assim para te eximir
Do cansaço da tua expressão vaga e triste.
Chamou-te até…
(Blasfémia!)
…Um mujahedin do povo.

Bolero inflamou-te como um balão,
Deu-te uma cara arrendondada
Como a dos anjos,
...
 

PAS

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Os Sete Trabalhos Do Editor

Há um comentário do Rui no Horas Extraordinárias que me levou a pensar no dualismo opcional do editor (neste caso da Rosário), fruto da sua experiência de amores e desamores (poéticos, obviamente!), ligações e desligamentos que num poeta soa a relativo – e que num poeta, simultaneamente editor, deve soar ainda mais fundo, dada a dialógica - plurilógica? - das opções das prosas.
Num universo tão relativo, onde não há lugar a Javert’s - esses personagens do gosto absoluto! - há uma relatividade clara de opção que se funda no coração, mas acima de tudo no profissionalismo dos objectivos.
É que o céu, como reclamam os revolucionários da liberdade, igualdade e fraternidade, é muito largo e igual... e não cabendo na terra, cabem lá todos!

A Obra, O Leitor E O Aspirante À Escrita

Desde que a obra encontrou o leitor, que a aspiração à escrita se preocupa com a leitura da (sua) obra. 
Há quem queira negociar o livro, como quem não negoceie a sua semente nem a concessione a um putativo sucesso.  
Um livro tem de ser muito mais do que um produto de escaparate: tem de ser uma espécie de filho querido... e até pode ser pródigo! Não para o mundo, mas para nós, de quem esperamos que seja apenas e tão só a nossa extensão e o nosso orgulho. 
Mas, como em tudo na vida, há vários tipos de escrita e escritores, desde os que fazem da escrita passatempo, profissão, aos meros apaixonados. Escrever parece-me aparentemente um acto egoísta, mesmo que não seja esse o propósito e tenha a partilha como fim. 
Pensar para quem escrevemos, se parece mais altruísta, faz-nos esquecer quem somos e a que caminhos nos abandonamos: e, até, porque O Escritor não é um homem só.  
Um escritor pode ser um homem (ou mulher, bem entendido), um realista, um sonhador, um prosador, um poeta, um narrador, um cronista, um ficcionista... Pode ser tantos diferentes que muitas vezes não se conhece, «quando destila» a sua condição de pensador. 
A escrita funciona por patamares - em cada tempo há uma descoberta: em cada um desses socalcos vamos encontrando pequenos pedaços de um puzzle, que nos libertam aos poucos de todas as nossas preocupações e indicam caminho às pontas dos nossos dedos. 
Nesse caminho encontramos, por vezes, romeiros e apóstolos, que partilham a jornada. 
A estrada é comprida e o caminho longo - se porfiarmos sem desfalecer nessa jornada - mas lá ao longe sabemos estar o fruto da nossa demanda.

«Os Miseráveis» Que Temos De Combater Dentro de Nós

A literatura na sua forma de livreiros é cada vez mais um engano, uma espécie de pecadilho de almas adormecidas. Ou talvez não, já que «o cada vez mais» é de todo em todo injusto. «Sempre assim foi; sempre assim será.»
No «Meu Peito Não Cabem Passáros», do Nuno, reencaminha-me para todos aqueles personagens que transportamos na vida e para o enorme «fresco» de uma alma que devemos todos os dias despertar. Falo de Fantine - da doce Fantine! - do «nobre» revolucionário Marius; da apaixonada Éponine; da doce e bela Cosette; do senhor Benvindo, bispo de Digne - dessa dignidade feita bondade e reencontro com a humanidade - do dilacerado radical inspector Javert…
Da releitura desta sincrética ópera cinematográfica da obra de Hugo, em que tantos pássaros soam trinados e em que se transformaram os episódios – volumes, Fantine, Cosette, Marius, a rua Plumet e a epopeia de St. Denis e Jean Valjean - que me ilustrou, entre tantos outros clássicos, de caracteres a juventude - «cola-se-me» a imagem de Valjean, o injustiçado, o motor deste «estendal da epopeia e condição humana.»
Como sempre, retornamos aos temas chave da humanidade: a injustiça, o rancor, a liberdade, o amor, a pequenez e a grandeza, a crueldade, a maldade, a esperança, o reencontro, a luz de um novo recomeço.
Como sempre, a miséria só existe quando dentro de nós; e como - e quando - como Javert, amordaçamos dentro de nós as inúmeras personagens que fazem de nós Miseráveis: A Desumanidade, O Rancor, A Inveja, O Ódio, A Raiva, A Cegueira.
A este estendal, das misérias humanas, acrescentaria a indiferença que o nosso senhor Benvindo afastou com a sua fé na reabilitação humana, recobrando com paixão e bondade, o amor-próprio e a dignidade do ser humano.
Tantos «Miseráveis» que temos, todos os dias, de combater dentro de nós.
Que efeito de prémio maior recebemos todos os dias, a os ouvirmos e confrontarmos?