Muito interessante a iniciativa da LeYa no Rossio não só por propiciar objectos de sonho a um preço simpático, como pelo debate que tive oportunidade de assistir sobre novos autores e suas dificuldades, moderado pela Maria do Rosário e pela Maria João Costa.
Deu para perceber que a LeYa pretende adoptar alguns das suas estratégias ao outro lado do Atlântico, bem como para sentir as diferenças dos novos autores - e de como as dificuldades da publicação são até mais graves do outro lado do Atlântico apesar da imagem de enorme pujança da América latina em geral e do Brasil em particular.
Num país cuja última sondagem revela já mais de 201 milhões de habitantes, os hábitos de leitura de uma sociedade imensamente desigual são ainda um travão à dinamização do mercado livreiro.
Segundo a informação veiculada por um dos autores brasileiros, as tiragens são idênticas em número (médias de 3.000 a 5.000 por original segundo percebi), o que revela o que o Brasil ainda tem para andar nesta área - e apesar de nos últimos anos quase trinta milhões de habitantes terem sido integrados na «definição» de classe média, assistindo-se a um enorme dinamismo alavancado pela globalização e pela deslocalização dos capitais.
Presumo também que o tema pirataria ainda cause mossa assinalável, embora se saiba que o Brasil tem evoluído muito nessa área.
Muito interessante, também, a referência à falta de uma rede eficaz e suficiente de bibliotecas públicas, com as consequências que isso acarreta para a criação de hábitos e acesso à cultura. Isto em contraponto com a realidade portuguesa, cujo panorama sofre muito no contínuo choradinho nacional.
A intervenção do autor da Cidade de Deus prova, também, que para ser-se autor é preciso querer ser-se autor, o que significa que não é só autor quem pode, mas quem quer - e aparentemente entende que o mundo da escrita, hoje, vai muito para além do acto isolado da mesma;
(O livro mercantilizou-se, tornou-se um objecto não isolado do seu autor; os autores tem, na minha perspectiva, hoje, de enveredar pelo profissionalismo, que é uma forma singular de afirmarem o seu apreço à escrita; nesse aspecto identifico-me mais com João Tordo que, noto, adoptou uma escrita mais Anglo - Saxónica e uma ligação intemporal ao livro, voltada não exclusivamente para o autor, fugindo ao livro de autor muito voltado para o umbigo, muito terapêutico, mas fechado.
A escrita é cada vez mais uma actividade profissionalizada, como bem mencionou João Tordo, um autor de quem li, O Bom Inverno - e termino o seu livro de estreia.
O caminho de um a outro é evidente, e o Bom Verão e todas as estações que se esperam de João revelam isso mesmo: o caminho faz-se caminhando!
Gostei particularmente da intervenção do João Ricardo, do seu humor e da sua honestidade relativamente à carreira de escritor.
Descomprometido
com a escrita revela uma outra faceta da escrita actual.
A importância
do trabalho na escrita e de como se pode ser escritor com um trabalho
honesto, mesmo sem ser um trabalho de grande craveira.
Os
génios não podem ser fabricados e numa sociedade cada vez mais
diferenciada onde é necessário preencher os nichos (numa sociedade cultural de quarta geração) cada vez é necessário apercebermos que não um gosto, há
gostos!
Depois
de ter lido na diagonal o seu livro, registo com o pouco que sei de
João Ricardo Pedro, que lhe falta essa vontade inata de ser escritor - que
assume de forma honesta - e algo que reputo muito importante na escrita e
talvez enganosamente não vislumbro: alguma densidade poética e
temperamento abstracto! João Ricardo seria para mim um tão bom ficcionista como um divulgador da sua ciência da engenharia.
Isso não retira, no entanto, capacidade a João
Ricardo que, espero, possa me surpreender com um livro menos «fabricado em
laboratório»: para primeiro romance e apesar dos dois anos de escrita é, no entanto, uma boa surpresa.
Gostei da intervenção da moderação que deu espaço aos autores para se fazerem conhecer e darem a conhecer algumas realidades actuais da sua relação com o mundo editorial.
Faltou (tempo e programa oblige) uma panorâmica sobre a relação futura dos autores com as editoras, o espaço das mesmas no futuro, a importância da distribuição, o fenómeno da concentração, o print - on - demand, o papel das editoras como interface com o público - que não faziam, obviamente, com muita pena minha, parte do «cardápio» num dia soalheiro que foi dando lugar ao tempo fresco de outuno - pelo que dizer, «faltou!», é só a demonstração de um wishful thinking pessoal fora de qualquer programa anunciado.
Algo que me espantou nestes escritores foi a sua assumpção da lentidão na escrita - com excepção do João Tordo; não consegui perceber se a plasticidade e capacidade de assumir géneros diversos é também característica destes autores.
Em suma, tempo ganho e bem ganho, e não perdido, como se queixaram muitos autores que querem resgatar algum do seu tempo para a escrita e não para o que designaram de actividade circense (Neste aspecto penso que se tem de encontrar um ponto de equilíbrio entre o acto singular da escrita e a procura do leitor - cliente)... e um bom fim de tarde de Outono no Rossio. Mas é indubitável que o mundo, hoje, é espectáculo e marketing - que é uma outra forma, mais agressiva, da procura do outro - não nos procuramos nós - todos - no outro?
E é por isso que é preciso que nos Leyamos cada vez mais no livro como objecto! Estamos lá, todinhos, sem tirar nem pôr!
P.A.S.