José Cardoso Pires, um dos meus autores preferidos de língua Portuguesa, actualmente de braço dado com Saramago e Mia Couto.
Alexandre Pinheiro Torres e Cruz Liberto analisam a fluída escrita de O Hóspede de Job.
E analisam-na bem, segundo o que me foi dado ler.
Alexandre Pinheiro Torres e Cruz Liberto analisam a fluída escrita de O Hóspede de Job.
E analisam-na bem, segundo o que me foi dado ler.
"Em O Hóspede de Job - cujo título certeiro nos põe de sobreaviso - um estrangeiro, Gallagher, representante de uma grande potência, instala-se como visita, na terra de Job. Especialista de armamento e de guerras, traz consigo a arrogância e a luta. E, ao abandonar a terra de Job, levará como presente a dor dos camponeses. Não lhes podendo roubar a comida, por não a haver, tenta comer-lhes os próprios corpos. João Portela será um símbolo dessa destruição estrangeira. Entretanto, mercê de vários pequenos filmes, o clima da terra visitada por Gallagher vai-nos sendo revelado. O desajuste entre o poderio de Gallagher e a fraqueza do bando de garotos é menos notório se verificarmos que existe desproporção semelhante entre as mulheres de Cimadas e os representantes da ordem. Opondo a força à razão, a petulância à miséria, a malvadez à ingenuidade, o romancista não só cria uma ambiência como separa e distingue os seus comparsas.
O meio dos militares, de Leandro e dos camponeses, são também aflorados pelo que podemos constatar nada estar ausente da terra onde o capitão estrangeiro ensaia as suas máquinas de guerra.
Contando diversas histórias, alongando-se em várias considerações e inventando frases de personagens principais, José Cardoso Pires parece querer dizer-nos que os hóspedes deste tipo só podem ter acolhimento em ambivalências deste género."
CRUZ, Liberto, Análise crítica e selecção de textos, 1.ª edição, Lisboa, Arcádia, 1972, pp. 35-36
"Hóspede de Job... Para principiar o título implica, em si mesmo, uma contradição irónica nos termos por que se define: Job, figura extrema da pobreza, recebendo e sustentando um hóspede rico (o capitão Gallagher). Nos dois elementos em equação encerra-se, com evidência imediata, um sentido simbólico bem preciso.
Mas quais as relações que se estabelecem entre as duas personagens? Pertencem eles aos mesmos mundos? Que interesses representam e que forças os mantêm em contacto? Outras perguntas se podem fazer e é de supor que as respostas que se lhes dêem ultrapassem uma determinada situação concreta, localizada e datada. As perguntas como as respostas talvez encerrem uma mensagem mais vasta, mais «extemporal» e, assim, poder-se-á justificar a preocupação de Cardoso Pires de, muito especialmente com este romance, transcender o significado real dos factos. O recorte por vezes sentencioso da expressão literária, o tom de saga popular que imprimiu à narrativa e, por fim, a medida, propositadamente ambígua, de tempo e espaço em que se vai «deslocando» não têm outro objectivo do que conferir às figuras e aos acontecimentos uma ampla dimensão de exemplaridade, projectando-os para lá do imediatismo e das circunstâncias em que se nos apresentam. Como assinalou um crítico italiano (Giuseppe Bartini, Avanti, 14-1-64) ao comentar este romance, o objectivo de Cardoso Pires parece ser o de «elevar às regiões do mito a casual crónica do quotidiano».(...)
Quem é o Hóspede? Gallagher, representante de uma grande potência militar, um guerreiro aureolado pelo prestígio da experiência das verdadeiras atalhas e que passeia a sua opulência no terreno dos hospedeiros. A festa é, em última análise, suportada por toda a massa anónima que se agita e em pano de fundo, gente mísera e esfarrapada que o olha com estranheza, admiração e hostilidade e cuja síntese se corporiza na imagem bíblica de Job."
PIRES, José Cardoso, O Anjo Ancorado, 3.ª edição, com um estudo sobre o autor de Alexandre Pinheiro Torres, Lisboa, Moraes Editores, 1964, 218 p., pp. 167-169
A pergunta que fiz quando acabei este romance foi: Como é que a PIDE autorizou a publicação da obra.
ResponderEliminarParabéns pela analise do livro.