A crise tem destas coisas: potencia
a mesquinhez, a inveja, a revolta, a percepção da injustiça, da desigualdade, o
ciúme. Bem diz Rentes de Carvalho: «O
sapo engole-se, e o queixume só adianta por dar uma ilusão de alívio. Melhor é
calar, deixar correr o tempo, e então pagar na mesma moeda. Com juros.» Em uma
semana «o meu amigo», amigo de espírito e de palavras, Rentes, injecta mais
esta pérola: «Festivais literários: feiras de grandes egos,
grandes vaidades, talentos de todos os tamanhos. Por maior que seja o palco,
nunca é grande bastante, e sabe-se o que acontece quando se fecham muitos ratos
numa caixa pequena. A dor dos que não são ratos, é só poderem morder com
os olhos.» Ratos chama Rentes aos pobres que vivem da
idolatria, do favor, do pedido pequenino, rasteiro, da indignidade por um
pequeno pedacinho de queijo. E acrescenta, terminando uma semana de boas e
pedagógicas afirmações: «Infelizmente, nem a
benzedura liberta o possesso, nem argumento há que lhe faça esquecer a
tentação.» Estaria Rentes a pensar em ratos de biblioteca, gente que se julga
deus só de tocar com os olhos, carpideiros ou carpideiras e gente tonta que se
toma por genial? A literatura é como o país: possesso, degenerado, pouco respeitoso,
deselegante, deseducado, provinciano, arbitrário, nobre de corte, serviçal, bajulador, apoderado.
Ai,
Rentes, pudesse eu ter «uma amante Holandesa» como tu e carpia a dor da falta
de sol nos braços de uma moçoila carnuda, alta, viçosa, de uma brancura de bela adormecida, bem longe desta
raça miúda, meio visigótica, meio arábica, insidiosa e cínica, sem me preocupar
com a dor da perda, com a mesquinhez do excluído ou com o rolo compressor da
individualidade e excentricidade do autor.
A
este propósito, autor não anónimo, porque assina Michael Levin, diz:
«Publishers have begun to hate authors. But seeking to squeeze out the individuality and admittedly the eccentricity of authors is just one more reason why book publishing as we know it is going over the cliff.»
Pelo menos
da dimensão dos penhascos de Moher, acrescentaria eu, cuja benzedura não me liberta o demónio de que estou possesso.
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