Caro Paulo
Tenho dez livros
terminados e de três em três meses termino mais um.
Se sou um escritor
daqueles que se badalam na espuma dos números? Não!
Se sou um escritor que
escreve histórias esbracejando alegremente na sua imaginação? Sim! Glosando
Jorge Amaro, sou um aprendiz do mundo até que deixe de escrever ou até que o
mundo me diga: «basta, chega, que já tiveste o teu momento alto de prazer!»
Sempre me perguntei: afinal
o que é um escritor? Um homem livre com uma caneta na mão? Um paciente? Um
médico? Um tipo que chega aos leitores, que os faz entrar no mundo dos seus próprios
sonhos? Um tipo que escreve umas historietas e as vende aos milhares? Um tipo
que promove a sua própria (auto) escopia? Um outro que faz da escrita um
processo de exegese? Ou de gnose? Ou de terapia? Ou será que é um eremita? Um
louco? Um criativo? Um copista? Um misto disto tudo, como aqueles pedaços de
pão mais acabados, substanciais, que as simples tostas de fiambre ou de queijo?
Há hoje uma linha ténue entre o escritor que é lançado para o mercado como um
produto embalado e os milhares, milhões, que escrevem todos os dias, os seus
dias, como diaristas, copistas vertebrados das suas sensações, enfados,
alegrias e tristezas, que tentam invertebradamente afastar ao acordar, o
remeloso dos olhos… e com ele… a solidão dos dias! Que ambiciosos de um tesouro,
já há muito perdido, porque trazido à tona da descoberta, apenas saudosos de um
abraço, de um afago, de que lhes chamem mestres, escritores, iludidos com um
passado antigo como a do encanto de antigas hospedeiras, hoje transformadas,
transformados, em comuns stewards, guardiões,
trabalhadores rudes… da nossa imaginação.
A escrita como
processo perdeu a virgindade, a nobreza, aburguesou-se, é agora um espaço comum
para muitos que a julgam diferente, glamorosa, quando não é mais do que uma
lamúria, um queixume de si mesma.
Como se enganam
quantos veem a escrita como sol e brilho, agora que a escrita, a literária, é
apenas uma massa, um recheio, onde só uma diferença ténue no sabor, quase como
uma descoberta feita do acaso, ou da conjunção dos astros, poderá alguma dia
abanar o mais distraído dos leitores. E para isso é preciso paixão,
persistência, desprendimento. Mas encontrar essa diferença ténue não é um
objectivo, é uma missão de e para si próprio, de um cristo apaixonado pelo seu
mundo que sabe o esperam mais espinhos do que rosas, mas que sabe estar em si ( e só para si!) a
redenção.
Nesta perspectiva, meu
caro, meus caros, só há um caminho para os apaixonados da escrita como fórmula
verdadeiramente criativa: o tempo e a certeza de que escrever não é para
redimir os outros, mas para nos redimirmos a nós próprios, apenas aos olhos de
nós mesmos. Se os outros distraidamente captarem, olharem, ilidirem ou
confrontarem por um momento apenas que seja, tanto melhor, que da nossa
utilidade poderemos dizer que tivemos um pequeno ténue momento em contacto com
os planetas exteriores, quando os astros se alinham e nos apontam os satélites
de Júpiter ou os anéis de Saturno.
PAS
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