— Sonhaste com
o quê, mulher?
— Sonhei com
uma criança que dizia para parares.
— Para parar?
Uma criança? Quem? O Zézinho?
— Sim, o
Zézinho, marido!
Maria Isabel...
, moradora em Lisboa na Avenida 5 de Outubro nº 321
r/c., viúva do Capitão de Artilharia e Engenheiro Químico Ramiro...,
vem apelar para os elevados sentimentos de V.Exª., expondo muito respeitosamente
o seguinte: Meu marido, por virtude dos seus conhecimentos técnicos de engenheiro
químico, prestou serviço na Fábrica de Pólvora de Barcarena desde 1925 até
1937, tendo falecido em Novembro desse ano. Como engenheiro
da fábrica trabalhava na preparação e estudo de explosivos (tendo sido ele até
quem procedeu ao exame dos restos da bomba utilizada no criminoso atentado
contra V. Excª.) e, antes do seu falecimento, dedicava-se especialmente a um
estudo sobre gazes (asfixiantes). No decorrer desse estudo teve várias intoxicações,
sendo a última provocada pelo cloro, poucos dias antes de adoecer. A seguir a
essa intoxicação sobreveio-lhe uma septicemia falecendo, depois de um sofrimento
atroz, decorridos dez dias. Esses estudos e experiências eram realizados sem uma
máscara ou outra qualquer defesa contra as intoxicações a que estava permanentemente
exposto. Daí a ter
acabado por sofrer a sepse que o vitimou, chegando a ter deitado, em
convulsões, os pulmões aos bocados. Sofreu horrivelmente. Meu marido conservou até
ao fim da vida uma perfeita lucidez e a consciência nítida das causas do seu
mal. E, tanto assim que à hora de Deus o levar deste mundo, benzeu-se e disse:
"Morro Cristão e morro pela minha Pátria"»
© (Pedro A. Sande; A Carta)