A minha amiga Cristina, que é um apreciadora das boas
coisas da vida, por maioria de razão, das bolachas, afirma aos sete
ventos a supremacia das bolachas Marias quando barradas a manteiga.
Presume até que estas arrepiem corpos e sensibilidades frágeis. A mim
não me arrepia. Um poste para mim de digestão fácil, o da Cristina.
Mas peço desculpa da cagança, da vaidade afarinhada, nada condizente com
o tipo de bolachas que como actualmente. Mas, bolachas bolachas, eram as
da minha avó, uma Castafiori na aparência e no trato para todos, mulher
coquete do pó de arroz e laca de drogaria no cabelo, tão vaidosa como
popular ao Zé da esquina, como ao Manuel Padeiro ou à Licínia
costureira, que despia o chapéu, fazia vénia, tornava-se um cordeirinho
deste mundo, mesmo se admoestado pela sua linguagem grosseira, mas
sempre à espera do último beijinho da diva, nariz empinado pelo salitre
abaixo, língua ao pé da boca castigadora para os populares que
escarravam no chão, ou fungavam no ar, ou limpavam sem discrição as
salas, ou não cediam o interior da berma da rua às senhoras e às
meninas, tão burguesa como popular, carregando com ela todas as
guloseimas deste mundo, ceias carregadas daquelas bolachas "aperuadas"
com uma amêndoa no topo, e que hoje assumiram uma nobreza que não lhes
conhecia, «almendroadas! dizem elas», como se tivessem agora casadas com
o senhor Duque ou o senhor Conde do bairro, ou o Galego que se
fazia passar por Franciú, um Alain Delon de pacotilha, com aquelas redondas
areias, que pareciam pequenas dunas da nossa gula, com aquelas finíssimas
e estreitas, mais condizentes com uma hóstia do vigário do Rato, com
aquelas roscas acabadas de sair, com extrema devoção e amor dos fornos da
padaria e do padeiro, que chegava àquele quarto andar com altura de
Torre Eifel, logo pela manhã, de bofes de fora e joanetes inchados,
maldizendo entredentes aquela coquete do quarto andar do Salitre, que
lhe levava as bolachas e o vigor diariamente, mas com uma reverência canina que salivava perante a infinita diva.
Saudades dos lanches e
ceias abolachados da minha avó, num tempo em que as avós eram avós,
matronas escarrapachadas e pesadas nos abonos dos maridos, embora leves nos encontros diários de amigas nas inúmeras pastelarias do bairro, ou no cabeleireiro ou no calista, ou na modista, ou nas sessões trissemanais dos cinemas das avenidas, sanduíches de
bolachas carregadas não só de manteiga, mas daqueles quadrados divinais
de marmelada enrolados como vestidos de anjos e que tinha um nome
engraçado que Jesus não desdenhava pela extrema devoção a este mundo:
Germina!
© PAS (Pedro A. Sande)
Delícias... :)
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