Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

ALABARDAS, A POLÉMICA, OS NOVOS VENCIDOS DA VIDA!

Grassou aqui pelas redes a polémica do novo livro de Saramago.
O Saramago quase fantasma para alguns, totalmente inacabado para outros, o género inovador para outros, o romance que antes de o ser já o era, Deus para outros, uma polémica que envolve consciências, dinheiros, proficiências e o diabo a sete...
O actual Editor de Saramago, o Manuel Valente, falou até dos "Vencidos da Vida", aqueles tipos que renunciaram cândida, patrioticamente, à aspiração da juventude.
Ainda não li Alabardas na íntegra. E tenho consciência de que é apenas e quase (na sua essência, não no seu objectivo e resultado ou estaríamos a negar a ensaística e o pós análise de um escritor que se afirmou pela qualidade), um rascunho de romance.
Saramago era um escritor planificador, embora há quem o diga mais aritmético do que geométrico quando a escrita "despencava" (na norma Brasileira, afinal, p..., a lingua é a mesma... e por que não hei-de eu usar esta norma que enriquece a língua de Camões e que se tornou a língua dos indígenas de Guanabara?)
Folheei-o apenas. E quase o li de um trago.
Saramago é para mim um escritor de dimensão universal, independentemente do modo inteligente como se fez promover ou não... bom-grado a sua melhor promoção tivesse sido, indubitavelmente, a qualidade da sua escrita.
Mas oiçamos primeiro o "Vencido da Vida"... Alberto Gonçalves? Que usa a estratégia que se atreve a denunciar (estratégica de cronista... somos todos tão contraditórios, não somos?!)... denunciando uma polémica aparentemente inexistente para os amantes de Saramago, os que já lhe beberam o suor e agora querem continuar a perceber-lhe o sangue.
E chama-lhe Escritor Fantasma, que são aqueles tipos já sem dinheiro para comprar torradas e com a barriga a dar horas. E que têm de assumir Marx, mesmo sendo mencheviques, ao vender a sua força de trabalho intelectual a troco do "quase nada" da escrita... vais ganhar o quê, pequeno? ... tostões... perdão... cêntimos!
Vamos lá continuar então a polemizar, ouvindo o Alberto, que dá espessura!
©PAS (Pedro A. Sande)

«O escritor fantasma
por Alberto Gonçalves

Uma última viagem na sua permanente vocação para agitar consciências, diz o anúncio da Porto Editora. Um acto revolucionário, diz o juiz espanhol Baltasar Garzón. Saramago vintage, diz o editor brasileiro do falecido escritor. Saramago no seu melhor, diz o editor português. Uma obra divertida, diz Eduardo Lourenço.
Tudo isto a propósito de "Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas", o dito romance inacabado de José Saramago. Na verdade, de romances inacabados está o mundo cheio. Alabardas inaugura um género novo, o dos romances praticamente por começar.
Não é que não haja um livro: há, aliás com 135 páginas. Seis são notas do autor. Cinquenta são textos de outros autores sobre o autor e o produto em causa. Dez são índices, ficha técnica e diversos. Doze são desenhos de um antigo membro das Waffen-SS. Sobram 57 folhinhas, impressas em fonte crescida e a dois (ou três) espaços. Ninguém se deve admirar se, no mês que vem, publicarem os últimos post-it que Saramago colou no frigorífico, em cinco volumes repletos de ensaios alheios, bonecos para colorir e a oferta de uma echarpe em tons marrom. Meia dúzia de críticos hão-de considerar estarmos perante um momento de ruptura na cultura universal.
Num certo sentido, Alabardas consagra de facto o estilo do Nobel caseiro, que em vida fazia questão de anunciar, ele próprio, o carácter polémico de cada livro antes mesmo de o livro chegar ao público. Um boa estratégia, até porque quando o livro chegava ao público não acontecia nada de especial - excepto se o público se chamava Sousa Lara. Devido a condicionantes óbvias, agora o anúncio da polémica ficou a cargo de terceiros, mas o processo é idêntico e com uma vantagem: se o hábito consiste em privilegiar a algazarra em detrimento do conteúdo, desta vez o conteúdo quase não existe e a algazarra abunda. Saramago vintage, de facto. E, desde que ignoremos os pechisbeques anexos, a minha obra preferida dele. As outras não se liam em horas. Conto não ler esta em vinte minutos.»

domingo, 12 de outubro de 2014

BARRADAS

A minha amiga Cristina, que é um apreciadora das boas coisas da vida, por maioria de razão, das bolachas, afirma aos sete ventos a supremacia das bolachas Marias quando barradas a manteiga. Presume até que estas arrepiem corpos e sensibilidades frágeis. A mim não me arrepia. Um poste para mim de digestão fácil, o da Cristina.
Mas peço desculpa da cagança, da vaidade afarinhada, nada condizente com o tipo de bolachas que como actualmente. Mas, bolachas bolachas, eram as da minha avó, uma Castafiori na aparência e no trato para todos, mulher coquete do pó de arroz e laca de drogaria no cabelo, tão vaidosa como popular ao Zé da esquina, como ao Manuel Padeiro ou à Licínia costureira, que despia o chapéu, fazia vénia, tornava-se um cordeirinho deste mundo, mesmo se admoestado pela sua linguagem grosseira, mas sempre à espera do último beijinho da diva, nariz empinado pelo salitre abaixo, língua ao pé da boca castigadora para os populares que escarravam no chão, ou fungavam no ar, ou limpavam sem discrição as salas, ou não cediam o interior da berma da rua às senhoras e às meninas, tão burguesa como popular, carregando com ela todas as guloseimas deste mundo, ceias carregadas daquelas bolachas "aperuadas" com uma amêndoa no topo, e que hoje assumiram uma nobreza que não lhes conhecia, «almendroadas! dizem elas», como se tivessem agora casadas com o senhor Duque ou o senhor Conde do bairro, ou o Galego que se fazia passar por Franciú, um Alain Delon de pacotilha, com aquelas redondas areias, que pareciam pequenas dunas da nossa gula, com aquelas finíssimas e estreitas, mais condizentes com uma hóstia do vigário do Rato, com aquelas roscas acabadas de sair, com extrema devoção e amor dos fornos da padaria e do padeiro, que chegava àquele quarto andar com altura de Torre Eifel, logo pela manhã, de bofes de fora e joanetes inchados, maldizendo entredentes aquela coquete do quarto andar do Salitre, que lhe levava as bolachas e o vigor diariamente, mas com uma reverência canina que salivava perante a infinita diva.
Saudades dos lanches e ceias abolachados da minha avó, num tempo em que as avós eram avós, matronas escarrapachadas e pesadas nos abonos dos maridos, embora leves nos encontros diários de amigas nas inúmeras pastelarias do bairro, ou no cabeleireiro ou no calista, ou na modista, ou nas sessões trissemanais dos cinemas das avenidas, sanduíches de bolachas carregadas não só de manteiga, mas daqueles quadrados divinais de marmelada enrolados como vestidos de anjos e que tinha um nome engraçado que Jesus não desdenhava pela extrema devoção a este mundo: Germina!
© PAS (Pedro A. Sande)

sábado, 11 de outubro de 2014

TRECHO DE MOOLB, O REVERSO

«Quem foi esse, perguntou-lhe um acólito de Cristo que viajava quase ao seu colo, meio adormecido, embalado pelo ronronar da carruagem que atravessa gingona a península itálica. A bota, pensa AB, que já se sente a subir para o corpo todo europeu. O corpo, os braços e finalmente em Vilar, a formosura da cabeça. Coragem, o senhor dá o fardo, mas também a força para carregá-lo, diz Willebrands pela sua boca. O Papa sorriso, o candidato de Deus. Ah, fez o outro, Io dimenticato. Pois, pois, esqueceste, diz o nosso viajante que parece ao longe, muito ao longe, só possível numa cabeça que se separa do corpo, distinguir as luzes trémulas e sempre de luto de Lampedusa. Porque os homens bons cedo se esquecem, repete para si. Lúcia, a vidente, sabia que Albino Luciani um dia seria Papa. E que o seria por pouco tempo. A evidência é também vidente. Io dimentico. Os homens bons não suportam a pressão. Os homens bons são solitários a quem não é permitido o seu lugar nas tribos dos poderosos. O Papa Breve sabia que se ia. Há lugares que não estão fadados para os homens bons. A bondade remete para o remorso. E não é uma protecção forçada como a da Máfia, mas uma missão construída no poder da associação da vontade com a bondade.
O poder não é alimento do poder»
© PAS (MOOLB, 2014, Pedro A. Sande, pg. 109)

MISCELÂNIA

Ó Soares?! Injustiçado? O Isaltas? Não se pode voluntária ou involuntariamente mudar a história! Isto, independentemente da simpatia pessoal (por Soares, não por Isaltino).
Mas deixem-me vos contar uma história verídica sobre esta figura polémica da nossa vida das últimas décadas, que sempre me pareceu simpático, cortês e educado.
Só "não gostei" certo dia no Galeto (passe a publicidade, ou talvez não, que para a próxima peço um inteiramente de graça), era ele PR e eu ao balcão a deliciar-me com uma maravilhosa miscelânia (um gelado soberbo desta velha casa Lisboeta), senta-se Soares a meu lado.

Esfomeado como devia estar a essas horas tardias, possivelmente cansado das tricas, trocas e baldrocas da política, mesmo se um especialista das sestas nos momentos mais oportunos, e de algum mau "olhado" que lhe tenha lançado a Maria de Jesus (nem sempre Jesus está pelos ajustes com as nossas acções, como é sabido), pôs-se a olhar descaradamente para a minha Miscelânia.

Felizmente não se voltou para o funcionário indicando para o meu prato e dizendo: ó senhor funcionário, desapareça com isto, desapareça com isto! - como ao pobre do polícia, tão satisfeito e cheio de pundonor na sua lustrosa motoca!, a exercer a bruta função de afastar o povo da soberania.
Foi antes: «Senhor funcionário, faça aparecer aqui uma coisinha destas!»
Simpático e de esperteza de grande alcance!
© PAS (Pedro A. Sande)