Nem mais a propósito esse
Vértice com este Vórtice dos tempos, que inevitavelmente será de recomeço.
A leitura de um
escritor não se completa, ou esgota, na leitura de uma ou duas das suas obras.
De todas podemos
gostar de forma diferente, mas todas nos dão uma percepção da capacidade de
criação e visão do mundo dos seus autores.
Saramago é sem dúvida
um dos maiores escritores portugueses de sempre.
Podemos não gostar
dele pela percepção que temos de si como pessoa, ou da sua tomada de posição na
cidadania, concordante ou não com o nosso posicionamento e o nosso lugar na
matriz de valores actual.
Como pessoa não gosto
das histórias ficcionadas (ou não) de algumas das suas posições na época do grande
saneamento; mas já passou demasiada água pelas pontes para perceber que reserva não significa necessariamente
antipatia e o seu antónimo é uma característica que privilegio. Afinal, ser-se
agradável com o nosso semelhante é uma condição de inteligência… e não custa
nada!
Como romântico gosto
do seu olhar com o aparente grande amor da sua vida.
Como escritor que é o
que verdadeiramente interessa, gosto da sua inteligência posta ao serviço da
sua obra, do seu rigor e trabalho de formiguinha que bem se percebe nos seus
romances, bem como da sua cultura e da experiência de vida que denota.
A leitura calma e
ponderada da sua obra permite-nos perceber como constrói e tece as suas tramas.
Uma construção cuidada, recheada de conteúdo, recheada de reflexão, recheada de
um olhar minucioso, como se rodando cada palavra e cada frase com olhar de artífice
olhando-a cuidadosamente com esse olhar de artesão de vários ângulos.
Tendo lido apenas uma dezena das suas obras, nunca
tinha lido o seu «Evangelho segundo Jesus Cristo». Não é fácil, de facto, no
nosso limitado tempo de vida ler toda a obra de cada um dos autores, mesmo dos
nossos preferidos. Mas este «Evangelho...», a par com o «Memorial...» e o
«Cerco de Lisboa», é para mim (que isto gostos, embora potencialmente comuns,
são em primeiro lugar apenas só nossos...), uma das suas grandes obras.
E bastava este
excerto:
«José, Maria e o burro
tinham vindo a atravessar o deserto, pois o deserto não é aquilo que
vulgarmente se pensa, deserto é tudo quanto esteja ausente dos homens...» (J.S.,
O Evangelho segundo...; pág. 79).
PAS
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