Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

quinta-feira, 9 de abril de 2020

O MEU NOME É NEMÉSIO


«Nascemos aqui nesta junção das gotas de água, em pequenos charcos que desa­guam nos rios. Depois deles, nos mares. Há alguns meses, em casa de um condiscípulo e amigo, nos Bis­coitos da Terceira, esteve por lá um jovem que visitava esses mares para conhecer e revolver-lhes as entranhas. Percebi o seu motivo não ser exclusiva­mente saciar a mesa ou o simples cas­tigar dos sencientes do oceano. Havia mais qual­quer coisa por detrás. “O que seria?” Expli­cou-me: Percebi a caça, como a tourada aliás, ser muito mais do que uma forma lúdica, uma tradição, um assomo de estado de incivilidade, ou uma omissão de civiliza­ção. É assim como que uma cruzada; um levantar de cruz com as mãos bem alto; um andor no interior de nós próprios; um regresso às origens da nossa condição de iguais entre os outros animais.»
Levou à boca com prazer conhece­dor o cálice de medronho.
«Não havia nele aquela arrogância sobranceira. Aquele sentimento de poder perante os animais. Apenas uma vontade de ser reconduzido à simplici­dade do homem como ser comum ani­mal. Também fui edu­cado nas touradas da vida. Entre elas, aquelas remetendo o touro selvagem ao desafio e castigo do homem. Inculcada quase desde as origens. Mesmo conhecendo bem o rapto da Europa pelo Touro. Ainda hoje apiedo-me dos animais, sentindo entre mim e Eles o selo de uma ligação telú­rica. Um elo, uma irmandade, que fá-los nossos irmãos afastados, animais nobres na garra e na luta. Sem eles somos como uma moeda que perdeu a outra face: uma sem espes­sura, sem grama mesmo de papel. Por isso desa­fio-os e mato-os. Matando-me e renas­cendo todos os dias um pouco. Na morte esta­remos juntos. Somos cama­radas incumbentes deste mundo.»
© Pedro A. Sande (O MEU NOME É NEMÉSIO) 


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