«Nascemos aqui
nesta junção das gotas de água, em pequenos charcos que desaguam nos rios.
Depois deles, nos mares. Há alguns meses, em casa de um condiscípulo e amigo,
nos Biscoitos da Terceira, esteve por lá um jovem que visitava esses mares
para conhecer e revolver-lhes as entranhas. Percebi o seu motivo não ser
exclusivamente saciar a mesa ou o simples castigar dos sencientes do oceano.
Havia mais qualquer coisa por detrás. “O que seria?” Explicou-me: Percebi a caça, como a tourada aliás, ser
muito mais do que uma forma lúdica, uma tradição, um assomo de estado de
incivilidade, ou uma omissão de civilização. É assim como que uma cruzada; um
levantar de cruz com as mãos bem alto; um andor no interior de nós próprios; um
regresso às origens da nossa condição de iguais entre os outros animais.»
Levou à boca com
prazer conhecedor o cálice de medronho.
«Não
havia nele aquela arrogância sobranceira. Aquele sentimento de poder perante os
animais. Apenas uma vontade de ser reconduzido à simplicidade do homem como
ser comum animal. Também fui educado nas touradas da vida. Entre elas,
aquelas remetendo o touro selvagem ao desafio e castigo do homem. Inculcada
quase desde as origens. Mesmo conhecendo bem o rapto da Europa pelo Touro.
Ainda hoje apiedo-me dos animais, sentindo entre mim e Eles o selo de uma ligação telúrica. Um elo, uma irmandade, que
fá-los nossos irmãos afastados, animais nobres na garra e na luta. Sem eles
somos como uma moeda que perdeu a outra face: uma sem espessura, sem grama
mesmo de papel. Por isso desafio-os e mato-os. Matando-me e renascendo todos
os dias um pouco. Na morte estaremos juntos. Somos camaradas incumbentes
deste mundo.»
© Pedro A. Sande (O MEU NOME É NEMÉSIO)
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