Como
gestor sempre fui adepto do «mais é menos». Mas como autor a viver há
longos anos debaixo de água tentando adaptar as guelras para vir à tona
para respirar um outro ar, tenho sempre dentro de mim a mensagem do
inspirar, expirar, numa espécie de sinónimo de depurar, depurar... e as
moléculas de água sempre me parecem infinitas.
A «economia da história» está assim em mim presente mais como um resultado de uma actividade profissional onde a economia é mais um conceito orçamental de denominadas boas práticas, que hoje se resumem quase e tão só a downsizings que se parecem restringir mais a núcleos desprovidos de outro tipo de corpos cavernosos.
Mas à economia das estórias sempre disse não, ou não tivesse na minha juventude sido leitor desse Livro Grande de Tebas, Navio e Mariana, do MC, que ampliava a minha imaginação e me fazia só pelo título fazer subir o Nilo numa faluca à procura da minha Cleópatra. Já naquele tempo era uma sorte de Osíris a julgar os mortos na «sala das duas verdades». Hoje sei que nunca são apenas duas, as verdades distenderam-se para além do inacreditável, como a água que se distende quando apertada entre dois dedos. E não me basta conhecer Tebas, olhar o cavername do navio ou desposar Mariana. Preciso de viver em constante psicostasia, colocado num prato remoendo as minhas quarenta e duas declarações de inocência. E é assim que menos será sempre mais. Porque mais é tudo o que a vista ou a mente não alcança, mas nos dá uma enorme sensação, inexplicável, de prazer, paz e felicidade.
Será que «Obsessão» vive dessa economia da escrita?
2
«Quando o relógio tocou uma hora mais, eu, Valente, tirei novamente umas folhas brancas: agora de dentro de uma mica, nome estranho para aqueles classificadores de plástico que tanto protegem o fruto das árvores como as asfixiam.
Agora era uma carta com várias folhas. Esta escrita à mão, como se a raiva nela contida necessitasse de menos tempo para ser aposta numa folha de papel. A impressão forçada de teclas diminuiria a raiva e falsearia a carta. Lembrei-me daquele escrito, «como se chamava?», o Ferreira, Vergílio de nome próprio, que forrara muitos troncos de árvore com as suas “Cartas a Nora”… Não! Esse era do Joyce! As de que me lembrava eram as “Cartas a Sandra”, uma morta que em vida não lhe largava por nada o alpendre. Mas a culpa, sabia-o, era sua, porque não a deixava partir definitivamente lá onde o sol se põe e a vida se renova.
Dizia a primeira destas novas cartas:
«Sónia, não sei se te recordas daquele dia em que te chamaram Reiki? Reiki, nome de deusa nórdica; Reiki, nome de guerreira; Reiki, nome de feiticeira, daquelas que nos fazem sonhar, armadas de uns calções que lhes marcam os lábios e as profundezas, daquelas que vomitam fora dos sutiãs dourados volúpia e prazer, daquelas que trazem um chicote pendurado e uma coleira e correntes para amordaçar, sonhos molhados, que nos enfeitiçam com dois dedos húmidos abertos passados lentamente pelos lábios. Eu estava atento, como estou todos os dias e procurava decifrar o mistério contido em ti.»
© OBSESSÃO de Pedro A. Sande
A «economia da história» está assim em mim presente mais como um resultado de uma actividade profissional onde a economia é mais um conceito orçamental de denominadas boas práticas, que hoje se resumem quase e tão só a downsizings que se parecem restringir mais a núcleos desprovidos de outro tipo de corpos cavernosos.
Mas à economia das estórias sempre disse não, ou não tivesse na minha juventude sido leitor desse Livro Grande de Tebas, Navio e Mariana, do MC, que ampliava a minha imaginação e me fazia só pelo título fazer subir o Nilo numa faluca à procura da minha Cleópatra. Já naquele tempo era uma sorte de Osíris a julgar os mortos na «sala das duas verdades». Hoje sei que nunca são apenas duas, as verdades distenderam-se para além do inacreditável, como a água que se distende quando apertada entre dois dedos. E não me basta conhecer Tebas, olhar o cavername do navio ou desposar Mariana. Preciso de viver em constante psicostasia, colocado num prato remoendo as minhas quarenta e duas declarações de inocência. E é assim que menos será sempre mais. Porque mais é tudo o que a vista ou a mente não alcança, mas nos dá uma enorme sensação, inexplicável, de prazer, paz e felicidade.
Será que «Obsessão» vive dessa economia da escrita?
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«Quando o relógio tocou uma hora mais, eu, Valente, tirei novamente umas folhas brancas: agora de dentro de uma mica, nome estranho para aqueles classificadores de plástico que tanto protegem o fruto das árvores como as asfixiam.
Agora era uma carta com várias folhas. Esta escrita à mão, como se a raiva nela contida necessitasse de menos tempo para ser aposta numa folha de papel. A impressão forçada de teclas diminuiria a raiva e falsearia a carta. Lembrei-me daquele escrito, «como se chamava?», o Ferreira, Vergílio de nome próprio, que forrara muitos troncos de árvore com as suas “Cartas a Nora”… Não! Esse era do Joyce! As de que me lembrava eram as “Cartas a Sandra”, uma morta que em vida não lhe largava por nada o alpendre. Mas a culpa, sabia-o, era sua, porque não a deixava partir definitivamente lá onde o sol se põe e a vida se renova.
Dizia a primeira destas novas cartas:
«Sónia, não sei se te recordas daquele dia em que te chamaram Reiki? Reiki, nome de deusa nórdica; Reiki, nome de guerreira; Reiki, nome de feiticeira, daquelas que nos fazem sonhar, armadas de uns calções que lhes marcam os lábios e as profundezas, daquelas que vomitam fora dos sutiãs dourados volúpia e prazer, daquelas que trazem um chicote pendurado e uma coleira e correntes para amordaçar, sonhos molhados, que nos enfeitiçam com dois dedos húmidos abertos passados lentamente pelos lábios. Eu estava atento, como estou todos os dias e procurava decifrar o mistério contido em ti.»
© OBSESSÃO de Pedro A. Sande