Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

quarta-feira, 25 de maio de 2016

FLORES

FLORES
Na condução de um relógio que desperta
Vi horizontes entretecidos de todo o tipo de flores:
Pétalas rosáceas e outras sonâmbulas
Que me atrapalharam no bojo das suas campânulas,
A vontade de adormecer e pernoitar.


Falaste-me em jasmins, orquídeas, anémonas,
Amores-perfeitos e até açucenas,
Como se as flores não fossem tão só e apenas,
Pés inertes, passos funâmbulos,
Construções apenas belas,
Onde me ative a nos sonhar e dormitar.

Na linguagem das flores e sua linhagem,
Tentei conhecer cravos, jacintos, crisântemos,
Hibiscos, gladíolos, estrelícias e violetas,
Especializando-me até nas mais singelas lágrimas de Cristo.

Por ti que te desdobras no cuidado das flores,
Dei-me até ao trabalho, mais magistral que floral,
De afagar em papel prata, lírios, orquídeas e petúnias,
E até a aconchegar num vaso engraçado de toque radical e muitas enxertias
Três das mais belas flores... de seu nome, as três marias!
© PAS (madrugada de 25/05/2016)

segunda-feira, 23 de maio de 2016

CANÇÃO DO BOM POVO PORTUGUÊS

CANÇÃO DO BOM POVO PORTUGUÊS:
O TAL QUE SABE TUDO, DE TUDO,
SEM QUERER SABER DE NADA,
OU QUASE-NADA.

Se o povo ouvisse o Jorge Bateira,
E outros como tal,
Talvez vivesse melhor.
Mas para o bom povo Português
Ouvir os outros é, fatal como o destino,
Reportadamente, despiciendo.

O povo sabe tudo sem estudar quase nada.

O povo sabe tanto de finanças como o financeiro.
Tanto de economia como o economista.
Tanto de construção como o engenheiro.
Tanto de medicina como o médico especialista.
Tanto de matraquilhos como os bonecos,
Vestidos à medida do Vermelho, Azul ou Verde,
De madeira.
Tanto da melhor carne como o açougueiro.
Tanto de trajectórias, ziguezagues,
Potência de chuto e pontapé na atmosfera,
Ciência exacta de futebol como o treinador.
Tanto de marcar golos como o futebolista.

O povo sabe tudo e não sabe nada.

Mas não empurra a bola
Como o avançado campista.
Nem recua a defender o seu meio-campo,
Que não quer queimar as pestanas
Cansar ou intumescer as pernas,
Essas deixa-as para coisas mais prazerosas
E maliciosamente terrenas,
Muito menos andar às arrecuas
Para defender a sua, a nossa, baliza.

Limita-se, assim, a mandar bocas.
Ou a apanhá-las,
Como o vulgar apanha bolas e redondas.
Limita-se a comentar que as "ripa-na-rapa-peca"
Parecem, nos pés destoutro, umas ovais melancias.
Limita-se a comentar como fazer entrá-las,
Mesmo quando a baliza está toda escancarada,
Porque há muito o campo é um povoado deserto
Já só habitando nele velhos
E as vorazes marabuntas —
Bem como as imperdíveis múmias do Restelo.

E quando está aflito grita:
«Que, ai, Jesus, que estou à rasca!»
Que não tem dinheiro
Nem para a mais minúscula carcaça,
Nem para as argamassas com que se colocam,
Alinhados, um após outro, tijolos,
Muito menos o pilim
Com que se fazem roscas.

Talvez porque a sua bitola
Seja estratosférica,
Vista por uma lente que lhe enxertaram à nascença
Nos olhos da barriga, que os da cara
Andam quase sempre turvos,
Já para não dizer cegos,
Que com a cegueira não se brinca,
Bem como a maledicência
Que lhe é intrinsecamente congénita.

Talvez porque o povo
Saiba de quase tudo,
Sem querer saber
Do pouco mais
Do tudo que para ele é nada.
Talvez por isso estudar,
Esse episódio extra planetário
Seja um luxo desnecessário,
Mas frequentar a bola
Como bom católico,
Uma bitola de cátedra.

O bom povo Português é assim.

Tão estóico e destemido
Nos breves momentos de glória,
Como pobre e deprimido
Em imensos tempos sem história.
Tão esperto com o vizinho do lado,
Que não lhe ensinaram
Que esperteza matreira não é inteligência,
Quanto mais consciência crítica
E assumpção ordeira.

Ouvisse ele, o povo, o Jorge Bateira
E talvez não fosse frito,
Quanto mais assado.
Ou cozido sem o alinhavar, certeiro,
Perfeito, das velhas cerzideiras.

Fosse ele menos "gargantola",
Mais provido de siso,
Mais nutrido da leitura
Provido de compêndios, manuseador de livros,
Que são bolas de todas as cores
E feitios, redondinhas de letras
Com que se marcam os golos
Em todas as balizas do mundo,
A começar pelas barrigas dos meninos
E a acabar nas espinhas
E achaques dos velhos e dos doentinhos.

É que querer fazer tudo do nada
Só mesmo a Banca,
Esse usurário financeiro
Que muitos confundem
Com um fantasmagórico
Monstro carnívoro.
PAS, 22/12/2015

terça-feira, 10 de maio de 2016

As Três Últimas Jornadas

"Se pensares mais e melhor, conheces-te mais e mais profundamente, como o mineiro que sabe ser bem no fundo da mina que está a gema maior e a mais pura; se te conheces melhor, conheces melhor os outros e as suas aspirações. Tudo passa a ter sentido, o outro passa também a seres tu. (PAS; As Três Últimas Jornadas; livro em construção)

quinta-feira, 5 de maio de 2016

O Mordomo de... (2)

«Descarnados e pelados não era algo que se pudesse dizer dos meus intervenientes, pelo menos sem uma vistoria mais atenta. Para um pintor, autor, artista, que não é apenas um técnico de pigmentação capaz de matizar, de prover textura ou tonificar, mas um aglutinador flexível dos seus próprios pigmentos, da sua própria plasticidade, aquele suporte de tecido tensionado a que se chama tela, montado num cavalo de madeira a que se chama cavalete, ou não fosse da essência do curioso as características de cada objecto e o seu comportamento em cada momento, já meio coberto de óleo, só deixa ver metade do que se passa no campo à nossa frente. Ao lado deste homem baixo, um outro homem mói e prepara tintas, o que faz do primeiro um grande artista e do segundo um auxiliar.»
(© PAS; O Mordomo de ... - livro em revisão)