Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

sábado, 19 de outubro de 2013

O Que É Um Escritor?

Caro Paulo
Tenho dez livros terminados e de três em três meses termino mais um.
Se sou um escritor daqueles que se badalam na espuma dos números? Não!
Se sou um escritor que escreve histórias esbracejando alegremente na sua imaginação? Sim! Glosando Jorge Amaro, sou um aprendiz do mundo até que deixe de escrever ou até que o mundo me diga: «basta, chega, que já tiveste o teu momento alto de prazer!» 
Sempre me perguntei: afinal o que é um escritor? Um homem livre com uma caneta na mão? Um paciente? Um médico? Um tipo que chega aos leitores, que os faz entrar no mundo dos seus próprios sonhos? Um tipo que escreve umas historietas e as vende aos milhares? Um tipo que promove a sua própria (auto) escopia? Um outro que faz da escrita um processo de exegese? Ou de gnose? Ou de terapia? Ou será que é um eremita? Um louco? Um criativo? Um copista? Um misto disto tudo, como aqueles pedaços de pão mais acabados, substanciais, que as simples tostas de fiambre ou de queijo? Há hoje uma linha ténue entre o escritor que é lançado para o mercado como um produto embalado e os milhares, milhões, que escrevem todos os dias, os seus dias, como diaristas, copistas vertebrados das suas sensações, enfados, alegrias e tristezas, que tentam invertebradamente afastar ao acordar, o remeloso dos olhos… e com ele… a solidão dos dias! Que ambiciosos de um tesouro, já há muito perdido, porque trazido à tona da descoberta, apenas saudosos de um abraço, de um afago, de que lhes chamem mestres, escritores, iludidos com um passado antigo como a do encanto de antigas hospedeiras, hoje transformadas, transformados, em comuns stewards, guardiões, trabalhadores rudes… da nossa imaginação.
A escrita como processo perdeu a virgindade, a nobreza, aburguesou-se, é agora um espaço comum para muitos que a julgam diferente, glamorosa, quando não é mais do que uma lamúria, um queixume de si mesma.  
Como se enganam quantos veem a escrita como sol e brilho, agora que a escrita, a literária, é apenas uma massa, um recheio, onde só uma diferença ténue no sabor, quase como uma descoberta feita do acaso, ou da conjunção dos astros, poderá alguma dia abanar o mais distraído dos leitores. E para isso é preciso paixão, persistência, desprendimento. Mas encontrar essa diferença ténue não é um objectivo, é uma missão de e para si próprio, de um cristo apaixonado pelo seu mundo que sabe o esperam mais espinhos do que rosas, mas que sabe estar em si ( e só para si!) a redenção.
Nesta perspectiva, meu caro, meus caros, só há um caminho para os apaixonados da escrita como fórmula verdadeiramente criativa: o tempo e a certeza de que escrever não é para redimir os outros, mas para nos redimirmos a nós próprios, apenas aos olhos de nós mesmos. Se os outros distraidamente captarem, olharem, ilidirem ou confrontarem por um momento apenas que seja, tanto melhor, que da nossa utilidade poderemos dizer que tivemos um pequeno ténue momento em contacto com os planetas exteriores, quando os astros se alinham e nos apontam os satélites de Júpiter ou os anéis de Saturno.   
PAS     

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