PAS: Pela Escrita É Que Vamos!
http://anarquistadepapel.blogspot.com (pela palavra seremos mais humanos) Este blogue serve como extensão da secretária do autor, assim uma espécie de oficina de escrita.
Portal da Literatura
Citações:
Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
sexta-feira, 8 de outubro de 2021
quinta-feira, 9 de abril de 2020
O MEU NOME É NEMÉSIO
«Nascemos aqui
nesta junção das gotas de água, em pequenos charcos que desaguam nos rios.
Depois deles, nos mares. Há alguns meses, em casa de um condiscípulo e amigo,
nos Biscoitos da Terceira, esteve por lá um jovem que visitava esses mares
para conhecer e revolver-lhes as entranhas. Percebi o seu motivo não ser
exclusivamente saciar a mesa ou o simples castigar dos sencientes do oceano.
Havia mais qualquer coisa por detrás. “O que seria?” Explicou-me: Percebi a caça, como a tourada aliás, ser
muito mais do que uma forma lúdica, uma tradição, um assomo de estado de
incivilidade, ou uma omissão de civilização. É assim como que uma cruzada; um
levantar de cruz com as mãos bem alto; um andor no interior de nós próprios; um
regresso às origens da nossa condição de iguais entre os outros animais.»
Levou à boca com
prazer conhecedor o cálice de medronho.
«Não
havia nele aquela arrogância sobranceira. Aquele sentimento de poder perante os
animais. Apenas uma vontade de ser reconduzido à simplicidade do homem como
ser comum animal. Também fui educado nas touradas da vida. Entre elas,
aquelas remetendo o touro selvagem ao desafio e castigo do homem. Inculcada
quase desde as origens. Mesmo conhecendo bem o rapto da Europa pelo Touro.
Ainda hoje apiedo-me dos animais, sentindo entre mim e Eles o selo de uma ligação telúrica. Um elo, uma irmandade, que
fá-los nossos irmãos afastados, animais nobres na garra e na luta. Sem eles
somos como uma moeda que perdeu a outra face: uma sem espessura, sem grama
mesmo de papel. Por isso desafio-os e mato-os. Matando-me e renascendo todos
os dias um pouco. Na morte estaremos juntos. Somos camaradas incumbentes
deste mundo.»
© Pedro A. Sande (O MEU NOME É NEMÉSIO) À PROCURA DE MOLERO

«O Velho diz aqui que ama o teatro»,
observou Austin, vestindo de sons o silêncio em que mergulhara mais uma noite.
«Segundo aqui consta, preocupa-o
ATrangressão que instauramos porque, para ele, o desvio não é o acto, mas as
consequências da aplicação por outros de regras e sanções às mesmas.»
«Obviamente, Austin, que é preocupação comum
a todos que gostam de um mínimo de ordem e civilidade.»
«Consta também que ama tanto os cenários
como a forma como administramos impressões uns aos outros, como podemos parecer
uma coisa e outra ao mesmo tempo, como podemos parecer aquilo que não somos! Chefe,
mas não nessa perspectiva de vida em comunidade! Numa perspectiva mais da instauração
da norma, dos empreendedores morais e materiais, dos construtores!»
«Acha ele que o segredo que nos pode conduzir
ao inferno está no domínio da etiquetagem. Etiquetar é, hoje, demasiado fácil. Júnior
diz de Molero que ele tentou toda a vida libertar-se dos rótulos. Quando era
novo era o 'Botas', pensa ele pela dificuldade que tinha em dar corda aos
sapatos»,
«Atá-los, queres tu dizer…», emendou
DeLuxe,
«E não só! Mesmo desatar nós. Depois passou a
'Ventoinha' pelo facto dos seus membros superiores não acompanharem voluntariamente,
com o mesmo ritmo, os inferiores…»,
«Um descoordenado, queres tu dizer!»,
«Mais tarde deram-lhe o rótulo 'OGrande'
porque os seus braços tinham esticado a dimensões de Manjacaze…»,
«Lembro-me bem do GabrielMonjane. Um bom,
calmo e tímido gigante», disse, saudoso, DeLuxe, questionando-se também, «por que é que os grandes são sempre mais
calmos, conscientes, assumidos da sua timidez e do seu lugar no mundo?»,
«Pouco tempo depois, 'OPingaAmor'.»
«Essa é evidente!», atalhou novamente
DeLuxe.
«Por fim, entre mais umas dezenas de rótulos,
um dos quais recorrente, agora com luzes florescentes, o rótulo 'OSenhorDasMoscas'.»
«Enfim, esse é fácil de perceber!»
«E talvez seja por isso que Molero refuta como
compleição universal as TrêsRegras-DaVida».
«As três regras da vida? O que é isso?»,
interrompeu DeLuxe,
«Sim, as 3RDV», respondeu Austin, abreviando
por sigla,
«A 1ª: sê amigo do teu amigo cultivando a
amizade, como se tratasse de uma flor que tivesses de regar todos os dias da
tua vida, nunca desistindo também da tua família a quem deves cuidar como um
apêndice de ti; a 2ª: tenta sempre atingir os teus objectivos, sem estiolar
pelo caminho, combatendo e desbravando todos os dias um pouco o caminho; a 3ª:
afasta-te das coisas ruins, das tentações e pecados que te possam infernizar,
emparedar e alienar de ti próprio, tornando-se um obstáculo de dimensão quase
intransponível»,
«As três regras da vida, ou 3RDV, como
cardápio universal? As três regras da vida, para Molero, debatem-se entre a
consciência, a racionalidade, a animalidade, a contemplação e a intuição. Quem
se julga tocado por elas, pode pensar a sua imortalidade. Mas na superioridade
das suas regras ele pode ficar cego, tapado por um sol que não emite luz, uma
espécie de sol da lua. Incapaz de ver, enquanto é analisado e observado no
arrastar e controvérsia das suas decisões e construções baseadas no categórico,
na auto-afirmação, na punição, no medo e certezas do seu julgamento. 'Desconfia.
Desconfia sempre dos calados, diz ele! Porque já te tomaram a mente, já te
analisaram, encontraram e apoderaram das tuas forças e medos. 'Ele afirma que
as três regras da vida são apenas uma forma minimalista de encarar a vida. Até,
demasiado simplista! Não só no interior de uma sociedade, como no interior da
própria psique. Percebeu isso quando percorreu o seu próprio percurso no universo
'DeSenhorDasMoscas'. E dá como exemplo as 50 entradas: do OConquistador, ao
OPio, ao OBravo, ao Justiceiro, ao OFormoso, ao OInconstante, ao PrincípePerfeito,
ao OCasto, ao ODeterminado, ao OMagnânimo, ao BemAmado, a OBom, a ODiplomata, a
ODesventurado, 'Percebes agora as 50 entradas?' pergunta ele, 'Que são apenas
algumas das que estão em construção no nosso interior.' Diz ele que são uma
técnica que utiliza. Uma arma na mão de aparentes desarmados. Tem até uma frase
que surpreende pela singularidade e elegância, 'Não podes escrever sobre aquilo
que não conheces porque nem sabes que existe'. É por isso que, para si, os
rótulos são uma forma estreita de viver. Falta-lhe o multipersonalismo, aquilo
que ele designa de 'o seu rio de personagens.'»
«Hum!» fez DeLuxe: «Dá que pensar!»
«Pois, chefe. Penso mesmo que era esse o objectivo
do Velho».
Foi a
segunda vez que Austin se referiu a Molero como 'O VELHO'.»
© À PROCURA DE MOLERO (Pedro A. Sande)
Subscrever:
Mensagens (Atom)